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Diário da Terceira Idade: “Vivo um dia de cada vez.” Conheça a história de superação de Vera Kolling, de Dois Irmãos
Vera aproveita os dias com a tranquilidade de quem encontrou o sentido da sua vida
Por Nicole Pandolfo
Dois Irmãos – Pensadores de diversas vertentes afirmam que a paz de espírito vem acompanhada do desapego.
“Eu trouxe uma malinha de roupas. É só o que eu preciso, não sinto falta de mais nada”, disse Vera Kolling, sorridente, enquanto mostrava o apartamento alugado em que ela mora há mais ou menos 3 meses em Dois Irmãos. A casa de Morro Reuter onde ela morou nos últimos anos, os mais felizes da sua vida, está em trâmites para ser colocada à venda. “A casa é linda, fiz ela do meu jeito!” Mas ela cansou do isolamento e dos dias de neblina intensa da região. Preferiu o movimento de uma cidade maior e estar mais próxima dos amigos com quem joga canastra frequentemente.
Aos 76 anos, Vera é uma mulher realizada. Mas como acontece para todos, a realização vem através de um processo “e cada um tem o seu”, como ela diz.
Vera saiu de casa aos 18 anos para trabalhar em um hospital em Novo Hamburgo. Cuidar de pacientes era sua vocação, mas deixar a casa da família também foi um incentivo relevante. Filha mais nova entre 15 irmãos, precisava conquistar o seu próprio espaço.
“Foi um príncipe! Por uma semana.”
Entre idas e vindas a Morro Reuter, Vera conheceu o marido, com quem teve dois filhos. “Ele era lindo! Maravilhoso! Destaque na profissão…”, ela descreve. “Foi um príncipe! Por uma semana.” E durante 30 anos, dona Vera teve a experiência como a de inúmeras mulheres que vivem submissas a um relacionamento abusivo, condicionadas pelas circunstâncias a se sentirem inferiores e incapazes de se libertarem. No auge da depressão, Vera chegou a questionar: “Pra quê viver? Eu não via saída.”
A transformação
Mas com o incentivo da filha e anos de terapia, ela encontrou a saída: divorciou-se do marido. A transformação pessoal foi tamanha que a descoberta de um câncer de garganta não abalou a confiança da mulher que tinha certeza de que sua vida havia recém começado. “Aconteceu algo muito engraçado”, ela conta. “No dia da cirurgia, eu estava na sala de espera e peguei no sono! Dormi por mais ou menos uma hora!” Dois dias depois da cirurgia que removeu o tumor do pulmão – seu segundo câncer, descoberto por volta de um ano após o da garganta – dona Vera dirigiu sozinha, de Porto Alegre a Morro Reuter, independente, segura e em paz.
Nos anos que seguiram, Vera Kolling viajou pelo mundo, construiu a própria casa, curtiu filhos e netos. Ela não guarda arrependimentos depois de, naturalmente, já ter se questionado por que não interrompeu mais cedo o relacionamento com o ex-marido: “Foi um processo. Eu precisei passar por ele.” Ela tem certeza de que a Vera que engolia mágoas, tinha medo das mudanças e não via sentido na vida ficou para trás.
Em Dois Irmãos, dona Vera foi apresentada ao Instituto Olívia do Bem, que oferece apoio profissional gratuito a pacientes com diagnóstico oncológico. “É uma família!” diz ela sobre as amizades que fez dentro da instituição. É de lá o seu principal núcleo de parceiros de canastra que ela tanto sentia falta de ter.
A realização da dona Vera veio com o custo de muita força, coragem e desapego. Segundo ela, todos os seus objetivos já foram alcançados: “Vivo um dia de cada vez.”