Região
Do Teewald à Escandinávia: uma nova vida sem perder as raízes
Cleiton vive na Noruega, no norte da Europa, mas segue trabalhando com o Diário
Mauri Marcelo ToniDandel
Santa Maria do Herval / Noruega – Há quase um ano, o jornalista hervalense Cleiton Rachel Zimer, 30 anos, embarcou em uma das experiências mais transformadoras de sua vida: trocar a Serra Gaúcha pela Escandinávia.
Mas, mesmo estando a mais de 12 mil quilômetros de distância, segue presente conosco. Hoje, vivendo em Volda, uma pequena cidade na costa oeste da Noruega, ele divide o tempo entre dois mundos: a rotina europeia e o trabalho remoto que mantém com O Diário.
“Mesmo saindo fisicamente do Brasil, nunca pensei em deixar completamente minha terra. Para mim, é uma honra poder continuar conectado com a região e com as pessoas. Isso é de um valor imensurável”, conta.
Um novo lar entre montanhas e fiordes
Localizada entre montanhas e fiordes, Volda é uma cidade peculiar, com cerca de 10 mil habitantes — número semelhante ao de Santa Maria do Herval. Quase metade da população é formada por estudantes de várias partes do mundo.
“A cada esquina se ouve um idioma diferente. Já conheci pessoas da Alemanha, Portugal, Espanha, Rússia, Ucrânia, República Tcheca, Estados Unidos, e de muitos outros países. É um ambiente que enriquece muito, porque a gente passa a ver o mundo de dentro da diversidade”, comenta Cleiton.
Apesar do tamanho pequeno, Volda impressiona pela estrutura: tem universidade pública, hospital de grande porte, rodoviária, aeroporto e ligação por balsas, algo comum nas regiões costeiras da Noruega.
“É uma cidade pequena, mas muito completa. Em muitos aspectos, lembra Santa Maria do Herval, o senso de comunidade, a calma das ruas, só que com toda a infraestrutura de um país escandinavo.”
Cleiton também fala da natureza: “Eu moro de frente para um lago magnifico, e a alguns metros de um fiorde – que é uma extensão do Mar do Norte, ou Atlântico Norte, que entra por centenas de quilômetros dentro do continente.”
Uma das partes mais desafiadoras é o clima. “No inverno, que vai começar em dezembro, chega a -20 °C. Tem muita neve. Mas a estrutura é ótima, não sentimos frio. E no verão somos agraciados pela “noite branca”, quando não escurece. Mais ao norte tem o sol da meia-noite. Aqui, o sol se põe, mas fica o crepúsculo sem escurecer.”

Cleiton, e, ao fundo, a Aurora Boreal, em Volda, na noite de quarta-feira (29).
Entre o jornalismo e a cozinha norueguesa
Além de seguir atuando como jornalista no Brasil, Cleiton iniciou uma nova fase profissional na Noruega, trabalhando em uma cozinha de empresa na cidade vizinha de Ørsta. Lá, prepara refeições diárias e aprende, na prática, sobre o modo de vida local.
“Nunca imaginei isso. Mas a vida é feita de novos aprendizados. Trabalhar em uma cozinha me ensinou muito sobre ritmo, pontualidade e simplicidade. Aqui tudo é bem planejado, e as pessoas realmente valorizam o trabalho feito com cuidado. Aqui não importa se tu é médico, advogado, professor, faxineiro, ou se trabalha numa cozinha: todos são iguais. Inclusive, os salários não são muito diferentes.”
A rotina norueguesa tem um ritmo próprio. Mais silencioso, disciplinado e conectado à natureza. As pessoas caminham, fazem trilhas, andam de bicicleta mesmo em dias frios e raramente deixam de aproveitar o ar livre.
“A saúde aqui não é só uma questão de alimentação, é um estilo de vida. As pessoas se movem, respiram o tempo, respeitam as pausas e o descanso.”
Aprendizados de um novo país
Para Cleiton, viver na Noruega é, acima de tudo, um aprendizado sobre equilíbrio. “Eu vim para cá no final de dezembro do ano passado. Foi a primeira vez que entrei em um avião. Até então não tinha ido além de Santa Catarina. Não sabia falar inglês. Então me dediquei todos os dias para aprender e, agora, já consigo me comunicar muito bem no dia a dia. Também estou estudando Norueguês. Aqui tem dois idiomas, o bokmål e nynorsk, e eu vivo na região onde escrevem o nynorsk – que é uma espécie de “novo norueguês”, que integra diferentes dialetos falados por todo o país.”
Cleiton ressalta que a Noruega é um país que funciona. “As pessoas confiam umas nas outras, cumprem horários e respeitam o espaço coletivo. Isso muda a forma como a gente enxerga o trabalho e o tempo.” E destaca a segurança: “desde que vim para cá, não teve nenhum crime na cidade, e nada de grande repercussão negativa na região.”
Duas culturas
Mesmo com a vida agora estabelecida no norte da Europa, o vínculo com o Brasil segue firme.
“Por mais que eu viva em outro continente, Santa Maria do Herval, Dois Irmãos e Morro Reuter sempre serão o meu lar. É de lá que vem tudo o que eu sou. As pessoas, as histórias, os lugares, é isso que me move.”
Conciliar duas rotinas, três idiomas e duas culturas é um desafio, mas também uma ponte entre mundos.
“Continuar escrevendo para o jornal é o que me mantém conectado à minha origem. Não é só um trabalho, é uma forma de continuar presente na comunidade onde cresci. Se hoje estou aqui, é por causa das pessoas de lá. E isso eu nunca vou esquecer.”
Ele também recorda com carinho o contato direto com o público:
“Sinto saudades de todos aí. Dos familiares, dos amigos, das pessoas que abriam suas casas para mim nas entrevistas e, mais recentemente, quando eu ia de casa em casa para renovar as assinaturas do jornal. Sempre fui recebido com muito carinho e respeito. E hoje só consigo continuar com o trabalho ali porque muitas pessoas me ajudam, todos os dias. Sem isso não seria possível.”
Unidos pelo jornalismo

Cleiton e a esposa Giordanna em uma das montanhas mais famosas de Volda: Galten. Ao fundo, a vista para o Fiorde
Cleiton mora na Noruega com a esposa Giordanna Benkenstein Vallejos, 27, também jornalista e que está na Noruega fazendo mestrado. Eles se conheceram justamente trabalhando no Diário. E, o jornalismo, que os aproximou no Brasil, seguiu sendo elo entre os dois do outro lado do mundo.
“Tomamos essa decisão de vir para cá juntos porque, a coisa mais importante da vida não é o trabalho que você tem, o prestígio, a riqueza que pode acumular, mas sim a família; quando tudo acaba, é a família que segue lá. Por isso decidimos embarcar nesta jornada, juntos, um apoiando o outro.”
Destaque em jornal local

Cleiton foi pauta de um jornal local da Noruega, em duas páginas
Recentemente, Cleiton foi destaque em uma reportagem no jornal Møre-Nytt, da região onde vive, que abordou sua trajetória e o fato de continuar trabalhando para o Brasil mesmo morando na Noruega.
“Foi bem emocionante. De certa forma, me inseriu na comunidade daqui, pois as pessoas começaram a me cumprimentar na rua e dizer que tinham me visto na matéria. É incrível ver como eles valorizam o jornalismo por aqui. Sou muito grato ao jornal e a jornalista Benedikte Vardal que veio até o meu apartamento para me entrevistar”, conta, e brinca: “Foi a primeira vez na vida que não fui o entrevistador e sim o entrevistado”.
