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Região

“É o povo pelo povo”: relatos de voluntários que estão na linha de frente demonstram o caos no Vale do Sinos

09/05/2024 - 10h38min

“É o povo fazendo pelo povo”. O recado é de um dos milhares de voluntários que auxiliam nos trabalhos de resgate e de suporte às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, mas representa uma vez oprimida de praticamente todos os outros. Não se trata de fake news ou vídeos espalhados por grupos de WhatsApp, conforme tem amplamente sido espalhado pelo Governo do Estado, mas situações reais visualizadas pelo Diário, durante ida até a cidade do Vale do Sinos.

A direção das reclamações não está apontada para os agentes que redobram seus horários e se emprenham para apoiar resgatar a população e garantir a segurança dos voluntários, mas aos governos que, por sua vez, não tem atendido às expectativas de quem está desde a última sexta-feira arriscando a própria vida para ajudar o próximo.

O resultado de tudo isso não poderia ser outro, senão o caos. O cenário e o clima são o mais próximo que, possivelmente, todos os gaúchos viverão de uma guerra. Mesmo ao lado do posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no bairro Scharlau, em São Leopoldo, as dezenas de voluntários que colocaram os próprios barcos e jet skis à disposição para resgatar moradores, só foram receber apoio policial na segunda-feira.

Até a manhã desta quarta-feira, todas as águas e alimentos que estavam no local, disponíveis para serem doados para quem sai da água somente com a roupa do corpo – muitas vezes molhada –, eram oriundos de doações voluntárias e aquisições próprias. Pior do que isso, mesmo os policiais enviados para garantir a segurança dos voluntários, do trânsito e auxiliar nos resgates, não tinham sequer lanche ou água para tomar. Também, apenas na segunda-feira, um banheiro foi colocado para atender a população e forças de segurança.

Não bastasse a falta de suporte relatada pelo grupo, há, ainda, a insegurança ao entrar na água. Durante o final de semana, saqueadores chegaram a atirar contra uma embarcação que fazia os salvamentos. Durante as noites, principalmente, diversas residências tiveram saqueados os poucos itens que não foram perdidos para a enchente.

Entre os milhares de moradores que perderam tudo na cidade está Carlos Alberto Hanauer, 53 anos. Morador do bairro Rio dos Sinos, ele é dono de uma empresa de reciclagem que foi completamente alagada, mas também possui uma casa em Ivoti, no bairro Bom Jardim.

Hanauer conta que perdeu dois caminhões, o carro, todos os materiais de trabalho e bens que levou uma vida inteira de trabalho árduo para conquistar. “Quando cheguei no viaduto da (Scharlau), sentei e chorei muito. Só consegui salvar poucas coisas e os remédios da minha esposa. Foi tudo muito rápido. A água chegou e, em questão de minutos, já passou da altura da cintura”, relata.
Conforme o morador, o sentimento de saber que tudo foi, literalmente, por água abaixo, é quase que indescritível. “Comprei tudo com o meu suor, com meu trabalho e com dinheiro limpinho. Ver tudo indo embora é muito triste e não quero que ninguém passe pelo que estamos passando aqui”, lamenta Hanauer.

Praticamente todo o trabalho realizado às margens da BR-116 na manhã de terça-feira era voluntário. Desde as embarracações até as doações, tudo foi adquirido através de investimento dos próprios integrantes do grupo, ou doados por uma pequena rede de apoio. Por isso, o grupo possui a necessidade, principalmente, de combustível.

EMOÇÃO DE SALVAR VIDAS

Apesar de todos os problemas apontados pelo grupo de voluntários, o que predomina não são as reclamações ou necessidades, mas o espírito de esperança e solidariedade que toma conta da população. Mais do que isso, em cada pessoa resgatada, é a história de uma vida que pôde ser continuada, mesmo em meio à catástrofe que já tirou praticamente uma centena de outras vidas.

Entre os resgatados estão idosos, crianças, jovens e adultos, pessoas de todas as idades que, por um motivo ou outro, acabaram mantidas dentro de suas casas. Há, porém, principalmente entre os moradores de condomínios, muitos que ainda relutam em sair de suas moradias.
A permanência destas pessoas, ilhadas, gera grande preocupação. “Amanhã começa a chover e não terá mais voluntários. Não sei o que será desses moradores”, lamenta uma voluntária.

Além de quem está diariamente entrando na água, outro importante trabalho visto nas imediações do posto da PRF é o de voluntários que fazem a distribuição de água e mantimentos. Entre eles estão integrantes da empresa Cia do Chopp, de Estância Velha. Desde comida até água, e produtos de higiene estão sendo entregues pela empresa, principalmente para os trabalhadores das forças de segurança que trabalham nos resgates e na liberação da rodovia.

FALTAM AGENTES FEDERAIS

A situação vivida entre São Leopoldo e Novo Hamburgo tem sido dramática desde o final de semana. Se, de um lado, voluntários se sentem sobrecarregados, as forças de segurança não têm encarado de forma diferente a situação.
Não apenas o Corpo de Bombeiros, mas também agentes da Brigada Militar e Polícia Civil, se colocam na água arriscando a própria vida para salvar moradores que ficaram ilhados em suas casas ao longo de todo o dia.

Durante a noite, não é muito diferente. Além de buscar por pessoas que, possivelmente, estão em emergência, ainda convivem com o risco e com a missão de proteger as casas das vítimas de saqueadores. Nem mesmo a água até o peito impede a presença de traficantes e usuários de drogas que passam pelo local.

Isto tudo deixa o clima ainda mais tenso e ameaçador para os agentes de segurança, já exaustos pela rotina heroica e cansativa. Há, porém, certo sentimento de descontentamento pela presença de agentes federais, da Força Nacional. Além de ter demorado a chegar, os profissionais que chegaram demoraram a ser colocados, de fato, na rua durante os primeiros dias.

Nas últimas noites, a situação teria melhorado, porém, ainda assim, há um entendimento de que os policiais gaúchos precisarão de suporte para dar continuidade ao desempenho de seu trabalho. Nos últimos dias, houve anúncio do Governo Federal de que uma tropa maior será enviada para a região, algo que é esperado para logo pelos policiais.

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