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O morador do Teewald que passava por cima da Cascata do Herval para plantar batatas

16/05/2024 - 15h44min

Atualizada em 16/05/2024 - 17h07min

Leobaldo é natural do Rio Loch e, aos 25, foi morar no Teewald. Ele lembra das lutas do passado (FOTOS: Cleiton Zimer)

O olhar de quem vivenciou de perto o desenvolvimento

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval | A vida de Leobaldo Alberto Kuhn, 89 anos, foi repleta de desafios. Natural do Rio Loch, – hoje situado em Morro Reuter – veio para o Teewald em 19 de setembro de 1959 quando este passou a pertencer a Dois Irmãos [antes era município de São Leopoldo].

Teve uma infância difícil. Seu pai, Alphino Kuhn, faleceu quando tinha pouco mais de três anos. A mãe Thereza era nova e os familiares entenderam que os irmãos, que eram quatro, deveriam ficar com parentes. No caso dele, cresceu com uma madrinha. Thereza viveu até os 89 anos.

Desde criança trabalhou na roça. Serviço pesado. Abriam ruas com enxadas, picaretas, pás. Usavam uma carroça para carregar pedras e terra.

Mesmo morando longe, já naquela época por vezes vinha para o Herval junto do seu tio no lombo de uma mula. Iam para uma festa na parte central. “Era debaixo de uma árvore, com galhos grandes.”

Para gelar as bebidas, lembra, abriam um buraco no chão. Na primeira camada colocavam sacos de pano, depois os cascos da cerveja, água, e novamente sacos. “Ficava um pouco quente, mas era o que tinha.

A churrasqueira também era no chão. Colocavam estacas de madeira nas laterais e os espetos eram de bambu. Recorda que o tio comprava um ou dois quilos de carne e assavam.

Quando estava no ponto fincavam o bambu no muro de taipa de pedras, ao lado de um potreiro, e ‘lasqueavam’. Comiam junto com um pedaço de pão, com farinha branca – o ‘vais meil’.

O tio também comprava um gasoso – que era o refrigerante da época. “Logo depois de comer a gente voltava para o Rio Loch, não tinha muito movimento, muita gente, como hoje.

O amor o guiou para o Teewald

Leobaldo veio para o Teewald guiado pelo amor, quando casou com Maria Lúcia Kuhn Backes, aos 25 anos. Se conheceram nos bailes da região e tiveram 12 filhos – 7 homens e 5 mulheres. Todos estão vivos. Maria já é falecida desde 1993.

Ele foi um dos primeiros moradores do Centro, da parte alta [próximo ao Loteamento Sicredi], e vive lá desde então com uma vista privilegiada do alto dos vales. Ainda consegue contar nos dedos as casas que havia naquele tempo e é testemunha ocular do desenvolvimento do município.

Sempre foi devoto. Desde 1965 – por cerca de 30 anos – esteve dentro da diretoria da Comunidade Católica da Paróquia Nossa Senhora Auxiliadora. Para ter uma ideia, diz ele, tinha 80 famílias que pertenciam à Igreja. Sendo que também era compreendido o trecho da Ferraria, parte de Boa Vista e São José do Herval.

 

DIFICULDADES E SUPERAÇÃO:

Passando por cima da cascata de Herval para ir plantar batatas

Uma das carroças com roda de ferro que usou por muitos anos

Quando casaram as condições eram limitadas e os desafios aumentavam a medida que os filhos vinham ao mundo. Era preciso muito trabalho e, naquele tempo, a única opção era a agricultura.

Recorda que iam até o outro lado do Rio Cadeia, em Morro dos Bugres, plantar batata. Para não ter que fazer toda a volta na ponte passavam por cima da imponente Cascata do Herval, tanto os pais como as crianças. Eles iam a pé por debaixo da represa, rente à queda d’água. Conheciam bem o trajeto. Sabiam exatamente onde pisar.

Certa feita Leobaldo estava voltando sozinho. Acabara de chover e tinha muita água passando pela represa. A correnteza estava forte e não se via nada à frente. Mas ele resolveu arriscar.

Foi se apoiando na enxada. Com os chinelos nas mãos seguiu descalço. As pedras estavam escorregadias. Quando chegou na metade do caminho olhou em volta e se deu conta do perigo. Era muita água descendo a represa. Um barulho forte. “Se cair já era”, pensou.

Mas confiou em seu instinto. Estava na metade e, entre seguir e voltar, daria no mesmo. “Dei um passo atrás do outro e passei”, lembra, dizendo que foi um sufoco.

Leobaldo e a família, esposa e filhos (Arquivo pessoal)

LONGOS ANOS CARREGANDO ÁGUA

Nesta parte do município, como é muito alto, não tinha água. Por décadas a família teve que buscar em um córrego da Vila Seger. Sem veículo, iam de carroça mesmo, enchendo baldes e galões tanto para o consumo próprio como para animais – bois e porcos.

Só depois quando os filhos estavam ficando maiores, começando a ir para as fábricas, que compraram uma Kombi. Começou a ficar menos difícil. A rede de água só veio em meados de 1998, quando Juarez Brasiliense de Freitas era prefeito.

Por muitos anos também levavam porcos para carnear, de carroça, até Morro Reuter. Saiam no raiar da manhã e passavam o dia fora, sem comer. Na época, a Estrada do Rio Loch era a principal que ligava a Nova Petrópolis, antes de ter a BR-116.

Sempre ajudando a comunidade

Ele lembra em detalhes: Não tinha o salão paroquial que tem hoje. Sempre quando acontecia um evento montavam uma estrutura com o telhado de ‘impfa’. Era seu Leobaldo que ia cortar as folhas e as carregava com a carroça. “A gente montava de quinta até sábado. Segunda tinha que tirar novamente.” Anos mais tarde, também ajudou a construir o salão que tem hoje, de forma voluntária, além de doar madeiras.

A fé sempre foi seu norte, o ingrediente que o levou a longevidade com saúde e disposição. Lembra que, uma vez, foi chamar um padre na Nova Renânia para atender um enfermo no Rio Loch. Não tinha telefone, nem condução. Foram com mulas. “No caminho a gente não podia conversar, em sinal de respeito à hóstia sagrada que o padre levava”.

Hoje segue sua vida, com gratidão e disposição junto da companheira Teresinha dos Santos, 74. Cuida das suas galinhas, boisinhos, e sempre recebe a todos com muita alegria, disposição, e pronto para uma prosa.

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