Região
O trabalho das Schwester, as congregações religiosas e dos médicos, no passado
A expectativa de vida era de aproximadamente 45 anos
Por Sandro Blume
Depois de atravessar o Oceano Atlântico, o universo no qual estavam inseridos os imigrantes alemães no século XIX, no que se refere a (im) possibilidades de cura das doenças do corpo e da alma, era tanto difícil pelas limitações da medicina na época, como pela ausência de médicos. Muitas famílias viviam isoladas nas colônias, num ambiente saturado tanto de fertilidade como de mortalidade. Mesmo que o êxito da propriedade rural da família fosse totalmente dependente da saúde e do vigor físico do corpo, os colonos imigrantes estavam à mercê de várias mazelas e enfermidades.
O livro “Saúde, Doença e Morte” permite compreender a importância que tinha a saúde do corpo para os colonos imigrantes do século XIX e século XX. Diversas doenças e a avassaladora presença da morte faziam parte do cotidiano das colônias alemãs.

Nessa mesma época, Dois Irmãos ainda não tinha se emancipado, veja como era o distrito nesta foto de 1955 (acervo Sandro Blume)
ATÉ QUANTOS ANOS VIVIAM?
Os registros eclesiásticos de óbitos dos pastores nos detalham dificuldades tão grandes a ponto de as pessoas falecerem por uma diarréia, tifo ou apendicite, por exemplo. A expectativa de vida era de aproximadamente 45 anos. Além disso, naqueles primeiros anos da imigração e ainda por volta de 1950, o entendimento que tinham a respeito de saúde era bem outro dos dias atuais. Saúde significava simplesmente ausência de doenças. Era considerada uma pessoa saudável aquela que não estava acamada.
Lá pelo final do século XX, o conceito de saúde evolui para um significado que envolve o bem estar físico, mental e social do indivíduo. Mas, o século XIX foi o da construção dos alicerces do monumento da arte de curar, do pensamento, da prática médica e do ensino da medicina.
MÉDICOS X CHÁS
Num primeiro momento as pessoas buscavam alívio para os sofrimentos do corpo e da alma através de plantas, pomadas e de todo tipo de medicinas caseiras. Antes de buscar suporte médico, recorriam à curandeiros e curandeiras, parteiras e até mesmo a padres e pastores que possuíam alguma noção de práticas médicas.
Inclusive as Casas Missionárias da Igreja Evangélica da Alemanha, que formavam e enviavam pastores para o Rio Grande do Sul e para outras partes do mundo, inseriam na grade curricular o estudo de noções básicas de Medicina.
Pastor Hermann Borchard, enviado pela Casa Missionária de Barmen em 1864, encarregado em reavivar e estruturar aquilo que havia em termos de projeto de Sínodo no Sul do Brasil, recomendava aos seus superiores na Alemanha que, se aconselhasse a todos os pastores a serem enviados para cá se prepararem para o exercício da atividade médica. Segundo ele, os pastores deveriam possuir conhecimentos médicos básicos e, na medida do possível, também cirúrgicos. Também mencionou que era fundamental que trouxessem medicamentos homeopáticos consigo.
COMO NASCEU O HOSPITAL SÃO JOSÉ, O “HOSPITAL DAS IRMÃS”
Primeiro médico do São José veio da Hungria
Antes de ter hospital em Dois irmãos, o curador e médico prático Dr. Georg Schäffer, elaborando um inventário de seu trabalho, escreve que deu início às suas atividades de médico no ano de 1864.
Veja o que ele escreveu, quase 100 anos antes da emancipação: “Por pena dos pobres, que não tinham meios para mandar vir um médico, aceitei esse trabalho de “curar” e me percebi obrigado a permanecer exercendo a função de médico. (…) Quando chamado à noite, por mais escuro que fosse, eu tinha que ir. Eu não era mais dono de mim; a procura era cada vez maior. Em 1877, entrei em contato com a Drogaria Schröder de Porto Alegre e peguei o meu amigo Carl Schröder para trabalhar comigo. Por vinte anos ele ficou fiel a meu lado”.
ANTES DOS HOSPITAIS
Os hospitais foram desde sua origem, um lugar de recolhimento e obrigo de doentes, que nesse local recebiam cuidados e assistência, antes religioso que terapêutico. Com o surgimento de novas técnicas de diagnóstico, o hospital tornou-se o espaço privilegiado onde os doentes puderam ser observados e a arte de cuidar consolidou-se.
Por volta dos anos de 1930 e 40 vários hospitais são criados nas colônias alemãs. Ainda nos primeiros anos do século XX, nas colônias alemãs do Rio Grande do Sul, o espaço de sofrimento e de cura do doente era sua própria casa.
Para compreender o processo de gestação desses hospitais, que permanecem ainda nos dias de hoje na região, precisamos abrir as cortinas do contexto histórico que viabilizou a existência deles. Percebemos que muitos desses hospitais foram iniciativa de Congregações religiosas.
Imbuídas inicialmente em atuar na área da educação, fundando colégios, logo em seguida as freiras passaram também a fornecer suporte aos enfermos. Uma assistência material e espiritual.

Imagem com quase um século: medicamentos presentes nas farmácias em 1935
O trabalho das freiras e suas congregações
Congregações de freiras vindas da Europa Central, de língua alemã, passam a atuar em diversas localidades da região de imigração. Para exemplificar: Exatamente na virada do século XIX para o século XX chegam a Dois irmãos as Irmãs do Imaculado Coração de Maria, para atuar no colégio que haviam criado. A partir de 1939 passaram a atender doentes numa acanhada enfermaria que construíram ao lado do colégio.
Depois de ampliação do espaço, no dia 1º de março de 1940 o local foi transformado em hospital, que contava inicialmente com 12 leitos. Mesmo com as irmãs fornecendo um suporte na área da saúde no seu hospital, casos mais complexos eram encaminhados para os hospitais de Porto Alegre, onde funcionavam à época a Santa Casa de Misericórdia (1826), Sociedade Beneficência Portuguesa (1854), Hospital São Pedro (1879) e o Hospital da Brigada Militar (1906).
O PRIMEIRO MÉDICO DO SÃO JOSÉ
Ainda sobre o Hospital São José de Dois irmãos, o primeiro médico foi o médico húngaro Dr. Jacob Kovács, que permaneceu por pouco tempo. Dr. Paulo Becker ingressou no Hospital em fevereiro de 1943.
No ano de 1944, os médicos Dr. Ricardo Sprinz e Dr. Bruno Kraemer passaram a atuar no hospital. Outro profissional médico que atuou no hospital foi Dr. Hermann Nelz, lembrado pelos pacientes como o doutor que gostava de “operar”. O fato é que Dr. Nelz tinha a habilidade do grande cirurgião e justamente numa época em que eram bastante comuns as cirurgias compulsórias de extração do apêndice. O objetivo era extrair o apêndice para evitar complicações futuras nos jovens que nos anos seguintes iriam servir no quartel.

Dr Bruno Mesko Kraemer, esposa Margarida e o filho Cláudio e à esquerda Maria, esposa do Docta Russ por volta de 1950
A história do Doctor Russo em Dois Irmãos
Lá pelos anos 60 e 70, trabalhavam em Dois irmãos os doutores Alexandre Tannenbaum, Dr Delano Schmitz e Dr. Roberto Borecki Duris, atuando dentro do hospital e nos seus consultórios particulares.
Na mesma época havia também um renomado e competente médico estrangeiro, Dr Victor Bachtin, conhecido como “Doctor Russo”. Natural da cidade russa de Karkov e casado com Maria Ostankovich de Kiev, durante a Segunda Guerra emigrou para a Alemanha, passando a atuar num hospital militar.
Ainda em meio aos bombardeios finais da guerra veio para o Brasil, pois retornar à Rússia seria impossível num momento em que o regime socialista na União Soviética havia se tornado agudo e perseguidor daqueles que eram discordantes. Certamente ele, a esposa e o filho Vitaly não estariam em segurança.

Dr. Victor Bachtin atuava no Hospital São José – Acervo da família Bachtin (Imagem: Acervo de Sandro Blume)
Como o Dr. Victor veio parar em Dois Irmãos e porque atendia sem diploma
No Rio de Janeiro conheceu o médico Bruno Kraemer, que atuava em Dois Irmãos. Foi iniciativa do Dr Bruno convidar Dr. Victor para trabalhar ao seu lado em Dois Irmãos.
Aqui no Brasil, por ser estrangeiro, não teve seu diploma reconhecido, apesar de todo seu conhecimento médico que possuía.
Para validar o diploma, teria que cursar medicina na Universidade Federal de Santa Maria por alguns anos. Algo inviável, pois teria que fica longe da esposa Maria e dos filhos. Diante dessa circunstância, atuou como médico prático e enfermeiro em Dois Irmãos. Depois de cumprir sua jornada diária dentro do hospital, à noite atendia pacientes num consultório improvisado na própria casa, geralmente sem cobrar pela consulta.
MÉDICO DA HUNGRIA
Jacob Kovács (1899-1981) estudou Medicina em Debrecen, na Hungria, e emigrou para o Brasil em 1928, vindo a estabelecer-se em Vale Real, próximo a Feliz. Mudou-se para Linha Olinda e logo para Dois Irmãos, onde fundou o hospital local. Exerceu a clínica e cirurgia, ginecologia e obstetrícia, pediatria e radiologia. Finalmente, mudou-se para Cachoeira do Sul, onde permaneceu até seu falecimento.





