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Uma espera angustiante para ter acesso ao tratamento do lúpus em Dois Irmãos

15/06/2023 - 09h00min

Atualizada em 15/06/2023 - 10h04min

Elizane Vargas, 34 anos, está há três anos na luta por um tratamento e, enquanto isso, a cada dia, seu estado de saúde piora – ainda mais com a chegada do frio (FOTO: Cleiton Zimer)

Por Cleiton Zimer

Dois Irmãos – Essa é uma reportagem que retrata o apelo de uma família que, como último recurso, busca ajuda para conseguir enfrentar a luta contra o lúpus – uma doença autoimune pouco conhecida, porém, com sérias sequelas se não tratada o quanto antes.

Elizane Andrade de Vargas, 34 anos, a descobriu em meados de 2020 e, desde então, aguarda na fila do SUS para conseguir um tratamento. Praticamente três anos já se passaram e, até agora, não chegou a vez dela.

Enquanto isso a doença avança e ela sofre as consequências dia após dia – e está cada vez mais dolorido [ainda mais com a chegada do frio].

Já não possui mais forças para caminhar, tampouco para simples afazeres domésticos; sente fraqueza até para falar. Está cega em um dos olhos e, no outro, a visão está começando a embaçar.

A mulher cheia de sonhos que veio para Dois Irmãos em busca de uma vida melhor para si e suas filhas, agora, depende dos outros para praticamente tudo. E está difícil de suportar, pois, além da dor física e psicológica, há o desalento de não ser atendida na saúde pública.

As consequências físicas e psicológicas são muitas, e intensas (FOTO: Cleiton Zimer)

A vinda para Dois Irmãos era para ser um novo começo

Elizane conta que lá em Itaqui onde moravam não havia oportunidade de emprego para as mulheres – e sempre foi dona de casa até então. Por isso juntaram suas coisas e vieram para Dois Irmãos há uns cinco anos. No entanto, o destino foi cruel.

Com a separação do seu marido foi trabalhar em uma fábrica de calçados. E, até aí, tudo bem. Mas quando estava começando a se estabilizar veio a doença.

Ela seguiu aguentando por um tempo. Por fim a empresa fechou. Conseguiu emprego noutra, mas, não tinha mais condições de permanecer na linha de produção e teve que ficar em casa.

E, como havia pouco tempo de contribuição, o INSS não lhe concedeu o auxílio-doença, mesmo estando visivelmente sem condições de trabalhar.

Ela foi abraçada por familiares e amigos, que a ajudaram de diversas maneiras – nas duas empresas, inclusive, fizeram “vakinhas” para lhe comprar uma peruca quando os cabelos caíram, além de lhe ajudarem com demais despesas.

Mudou-se para a mesma casa dos irmãos na rua São Leopoldo, no bairro Primavera – no andar de baixo. Desde que perdeu a visão parcialmente, passa o dia com a família e só vai para a casa dela para dormir.

No entanto, a família não tem condições de arcar com os custos dos exames, consultas, remédios e muito mais.

Elizane antes de ser acometida pela doença (FOTO: arquivo pessoal)

COMO COMEÇOU: foi dormir e acordou com os cabelos caindo

Numa noite Elizane foi dormir e, noutro dia, quando acordou, percebeu que seu cabelo estava caindo. Não era pouco. Foi uma bola que caiu de vez. Ficou assustada. Inicialmente até achou que poderia ter câncer. “Paguei um médico particular que disse que eu estava com lúpus. Desde então estou só encaminhando, aguardando, mas não me chamaram para fazer exames e tratamento.”

Ela conta que, toda vez que o médico do SUS pede um exame, custa em torno de R$ 470. “E a gente não têm. Como vou pagar?”.

Elizane relate que, ao questionarem a Secretaria da Saúde do Município, dizem que é “preciso a esperar, que eles não podem fazer nada.” Até teriam aconselhado buscar um advogado e processar o Estado, mas, ela não tem condições nem de sair de casa.

 

Dor dia e noite

Ela não consegue mais fazer muito esforço pois seu corpo inteiro dói, além das feridas nas mãos, no rosto, nos braços. “Essa doença esgota muito. Deixa a gente, sei lá… como explicar. Não consigo nem caminhar. As pernas travam, dói, é muito dolorido. Então tento fazer o menos de força possível. Caminhar eu já não consigo mais para longe. Fazer as coisas que a gente fazia eu não faço mais. Perdi bastante peso”.

Eu sei o que ela está passando,

porque eu já passei por isso”

 

A irmã dela, Viviane Rodrigues, 30 anos, sabe bem o que Elizane está sofrendo. Ela também tem a doença. A descobriu há dez anos e, desde então, está fazendo o tratamento. Dentre oito irmãos, só as duas têm lúpus.

Eu sei o que ela está passando, porque eu já passei por isso. Sei o quanto o lúpus pode ser cansativo e doloroso, não é só fisicamente, é mentalmente que vai esgotando. Ela já não tem mais ânimo de viver. O que mantém ela em pé é a filha dela de 12 anos. É pelo que ela respira. Se não tivesse a filha dela, já teria desistido.”

Viviane afirma o quão importante foi para ela o tratamento imediato. “Fui melhorando logo”. E por isso, ressalta a preocupação da irmã não ter a mesma oportunidade. Disse até que poderia dar os remédios que toma para Elizane. “Mas não sei quanto de remédio, qual ela pode tomar.”

Conforme ela, no laudo que possuem, o médico deixa claro que a doença está num estágio que pode ser fatal.

O nosso medo é que ela perca totalmente a visão, ficando incapacitada”, pontua Viviane.

A irmã explica que, conforme a Secretaria de Saúde, Elizane precisa aguardar abrir uma vaga. “Agora o SUS liberou, porém, precisa aguardar algum hospital abrir essa vaga” – e isso não tem previsão.

Elizane ao lado da filha, Stefani, e da irmã Viviane – que estão com ela em todos os momentos (FOTO: Cleiton Zimer)

Medidas paliativas

Para tentar controlar a dor, os médicos estão receitando medicamentos paliativos, como hidroxicloroquina. A família acredita que seja por isso que a visão esteja sendo afetada – pois toma o medicamento há meio ano e, há dois meses, começou perder a visão. E, na prática, o remédio não a ajuda no tratamento.

Ela já não quer mais sequer sair de casa quando está com dor, pois sabe que, ao retornar do Posto de Saúde, tudo estará igual. “Ela não tem mais vontade de ir. Prefere ficar com dor”, lamenta a irmã.

Uma advogada pediu os papéis da quantidade de vezes que ela foi no plantão. “Deu um monte de folhas, porque ela ia toda semana.”

Não há mais o que esperar

Na verdade não há mais como esperar. A cada dia a situação se agrava e a dor fica mais aguda. Não se sabe, quando, de fato, o SUS vai atender ela.

Desta forma, enquanto de um lado se luta para que o Estado e Município finalmente entendam a gravidade da situação, quem puder ajudar, de qualquer forma, pode entrar em contato diretamente coma família pelo 051 99986-1625 – com a irmã Viviane.

Precisamos dos exames e um médico. Os médicos daqui não têm o que fazer, não são especialistas. E realmente o clínico geral não consegue.”

Ela precisaria de uma consulta uma vez por mês, que custa R$ 470. “Fora os exames e remédios”, explica Viviane.

A filha, de 12 anos, faz de tudo em casa

Além da irmã Viviane, dos demais familiares e amigos, quem ajuda Elizane diariamente é a jovem Stefani, de 12 anos. Ela faz tudo pela mãe dentro de casa. Até a acompanha para fazer exames.

Ela é muito esforçada. É isso que eu falo, ela é uma criança, e tudo o que acontece comigo prejudica ela”, lamenta Elizane. Além disso tem outra filha, a Katiele, de 19 anos, que mora em Morro Reuter e também sempre vem ajudar.

Emocionada, Elizane diz segue na luta por sua saúde por causa da sua família.“É por isso que ainda estou aqui, por eles, não já teria desistido.”

O que diz a Secretaria de Saúde?

De acordo com o secretário de Saúde, Nilton Tavares, “Elizane foi cadastrada no Estado para consulta reumatologista desde maio 2021. Enquanto isso ela deve fazer acompanhamento pela sua UBS”.

O que é o lúpus

Lúpus é uma doença inflamatória autoimune, que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele, articulações, rins e cérebro. Em casos mais graves, se não tratada adequadamente, pode matar.

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