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UMA INFÂNCIA DE LUTA: indo de pés descalços para a aula, na geada, em Santa Maria do Herval

18/05/2024 - 12h39min

Atualizada em 18/05/2024 - 12h47min

Maria Joana Closs nasceu, cresceu e segue vivendo na Vila Seger, em Santa Maria do Herval (FOTO: Cleiton Zimer)

UMA TRAJETÓRIA DE LUTA

Por Cleiton Zimer

Santa Maria do Herval | Maria Joana Closs, 84 anos, mora a vida inteira na Vila Seger. Nasceu, cresceu, formou família e hoje segue na mesma localidade.

É filha de João Alberto Schmitz e Maria Elizabeta Wickert. A terceira mais velha de 13 irmãos, de cinco que seguem vivos.

Desde criança trabalhou na roça. “Meio-dia a gente ia para a escola e, no outro, tínhamos que ajudar”, lembra.

Naquela época, quando tudo ainda era município de São Leopoldo, iam para a aula em Walachai. Era uma longa caminhada, uma hora para ir e outra para voltar.

O mais complicado era no inverno. Humildes, não tinham calçados para todos. “Eramos pobres. Íamos descalços e no inverno os pés rachavam de tanto frio”, lembra.

Apesar das dificuldades nunca reclamavam. Pelo contrário, viam o encanto nas pequenas coisas como brincar com as crianças do vizinho e um bolo feito de vez em quando. “Onde se escutava as famílias que tinham muito filhos eram pobres.

Por não ter dinheiro compravam somente o necessário. O restante eles mesmos produziam. E, para ir na venda, era a pé ou no lombo de uma mula. “Só se comprava sal, açúcar, essas coisas.”

Como não tinha energia elétrica também conservavam os alimentos de outras formas. A carne, por exemplo, era feita em charque ou então assada e depois guardada em latas com banha. “E era muito bom”, recorda.

Maria compara a época com os dias atuais e nota o quanto tudo está diferente. “Se as crianças tivessem que economizar hoje, como a gente fazia, iriam se assustar e também dar mais valor às coisas.”

Um tempo na Capital sem saber o português

Quando tinha em torno de 30 anos, a mulher que nunca tinha saído muito do interior foi para Porto Alegre por intermédio do Bispo Cônego Afonso Scherer.

A missão: ser empregada na Arquidiocese da Capital.

Eu não sabia nem falar o português”, recorda. Mas como Scherer sabia o Hunsrik ficou um pouco mais fácil.

Ela aceitou o desafio e foi. Deu certo, mas a saudade de casa bateu forte. Ficou alguns meses e voltou e, neste retorno, sua vida teve um novo começo através do amor.

 

A CELEBRAÇÃO DO AMOR:
O casamento que ficou registrado somente na memória

Quando voltou de Porto Alegre Maria noivou com Urbano Closs. Eles se conheciam desde pequenos e moravam próximos, eram vizinhos. As inúmeras visitas, brincadeiras de crianças, que inicialmente eram apenas amizade, frutificaram num grande amor.

Ficaram noivos por cinco anos até que chegou o grande dia do casamento. Ela tinha 38 e ele 46 anos.

Maria era católica e Urbano evangélico. Ela lembra que na época havia certo estigma em relação ao matrimônio entre religiões diferentes. Mas eles não desistiram.

A celebração aconteceu em um galpão que tinha ao lado da igreja católica de Walachai. Foi uma grande festa com cerca de 200 convidado. Tudo especialmente preparado para eles.

Como eram pessoas de muita fé, se uniram mediante uma grande bênção. “Casamos perante três padres e um pastor”, conta.

Muitos anos já se passaram desde então. Mas para Maria, foi ontem. Ela lembra de todos os detalhes, afinal, tudo ficou registrado somente na memória. “Tínhamos uma máquina para fazer fotos mas, no dia, ela estragou. Todos os registros ficaram somente para quem esteve lá com a gente”, afirma.

Carnearam boi, porco, fizeram um grande banquete para todos os convidados. “Lembro que a gente estava em um fusca, e os padrinhos e amigos ergueram ele com a gente dentro.”

Maria e Urbano tiveram uma filha, Alice Closs, que hoje tem 43 anos e está em casa cuidando dela. Urbano faleceu há cinco anos.

Casa do casal antes da reforma (FOTO: arquivo pessoal)

Na roça e fábrica

Maria sempre trabalhou na roça, na maior parte do tempo. Junto do marido cultivaram de tudo, desde batatas, milhos, feijão. Tinham criação de animais, como bois, porcos, galinhas.

E tudo sempre feito manualmente, sem equipamentos. Nem carro tinham, o deslocamento era a pé ou com mulas. Até para ir na igreja, cuja referência seguia sendo a de Walachai.

Além da agricultura, depois que a filha nasceu, ela trabalhou por algum tempo na indústria calçadista, na Henrich do Teewald, onde fez de tudo um pouco. Ficou lá por quase sete anos. Depois voltou par a lida da roça onde seguiu até se aposentar.

Hoje descansa na casa em que viveu junto ao marido, ao lado de onde nasceu. A residência era antiga e foi totalmente reformada há alguns anos.

Maria, a filha Alice e Urbano (FOTO: arquivo pessoal)

 

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