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Taxa de 50% imposta pelos EUA começa a valer hoje e ameaça colapso nas exportações de calçados na região

06/08/2025 - 06h47min

Nova política tarifária vai afetar um dos principais setores econômicos da região: o calçado; além de outros – Créd. Cleiton Zimer

Diante do cenário, mercado brasileiro terá dificuldade em competir no mercado

Por Cleiton Zimer / Geison Concencia

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de sobretaxar em 50% (10% somados aos novos 40%) os produtos importados do Brasil entra em vigor nesta quarta-feira (6) e acende o alerta em diversos setores , dentre eles, um dos mais estratégicos para a economia regional: o calçadista.

A medida foi oficializada por ordem executiva assinada no último dia 30 e, embora quase 700 produtos tenham ficado isentos — como petróleo, suco de laranja e minério de ferro —, o calçado, responsável por milhares de empregos e forte arrecadação de impostos na região, foi diretamente atingido.

Com os Estados Unidos figurando como principal destino internacional do calçado brasileiro, a medida tem potencial de gerar impactos imediatos e prolongados. A competitividade do produto nacional tende a cair frente a concorrentes como a China, que seguirá pagando apenas 30% de tarifa.

O setor, que historicamente depende do mercado norte-americano, teme uma onda de cancelamentos de pedidos, fechamento de linhas de produção e aumento do desemprego.

Além disso, os modelos produzidos são exclusivamente para a moda americana – não sendo uma missão simples tentar ganhar novos mercados.

Haverá uma queda em cadeia

Gilmar Chile Weber, diretor de exportação da Calçados Wirth, em Dois Irmãos, e veterano na área desde 1983, resume a gravidade:

“No primeiro momento, estamos finalizando as produções de calçados que estão em andamento e tentando embarcar aéreo para chegar aos EUA antes do dia 06/08/25 e depois produzir o que está em andamento, ficando no aguardo. […] Se as tarifas se mantiverem, não tenha dúvida que todas as empresas que exportam para os EUA vão precisar fazer ajustes. Umas mais que as outras. Aí haverá uma queda em cadeia, tipo queda de dominó. Vai atingir vários setores.”

Gilmar Chile Weber

Weber recorda que crises não são novidade, mas que a atual apresenta desafios específicos.

“A taxação, no começo, era de 10%. Este percentual era possível fazer ajustes para tocar os negócios em frente. O custo de frete internacional era muito menor que o dos nossos concorrentes nesta área (China, Vietnã, outros) e, além disto, o transit time entre Brasil e EUA era muito favorável para o Brasil, independentemente se fosse embarque aéreo ou marítimo.”

Questionado sobre períodos anteriores de dificuldade, compara:

“Crises da Covid foram dramáticas, mas saímos bem, e o subprime nos EUA foi muita pressão.”

Perguntado se a situação atual pode desestruturar o que o mercado conquistou, responde:

“Desestruturar não acredito, mas vai ter ajuste muito duro, mantidas as atuais condições. Difícil analisar o fim. E tem uma: não sofra antes do tempo, pode ser que o amanhecer seja esplendoroso.”

E completa com uma crítica:

“O governo brasileiro precisa calçar as sandálias franciscanas e perguntar aos EUA com quem eles querem conversar do Brasil. Um Chihuahua precisa perguntar ao Dog Alemão como começar a dialogar, entende?”

Ele também fez alerta:

“Eles precisam parar de falar que vão criar uma moeda para não usar o dólar. Isto, frente aos EUA, é pura provocação.”

E o mercado interno?

Em relação a redirecionamento de mercados, acordos bilaterais ou aumento da produção para o mercado interno, Gilmar cita que empresas sempre buscam alternativas, mas também há crises em outros países.

“Exemplo: desde o início da Guerra Rússia/Ucrânia perdemos os dois mercados, principalmente o da Rússia. E a Europa também sentiu com o maior custo energia (principalmente aumento do gás). Então, em cadeia, perdemos mercado automaticamente.”

Para Gilmar, empresas que atuam no mercado externo dificilmente conseguirão entrar na competição do mercado nacional.

“Mercado interno está bem abastecido por quem já vende no mercado brasileiro.”

Por fim, o profissional que já atravessou diversas crises do calçado foi questionado se há alguma esperança, na opinião dele, do cenário ser revertido.

“Respondo com uma frase de Martin Luther King: ‘Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje. Mas continue em frente de qualquer jeito.’”

Insegurança no chão de fábrica

Em Padre Eterno Baixo, Santa Maria do Herval, o ex-gerente da H. Kuntzler – com décadas de experiência no setor – e atual proprietário de um ateliê de corte e costura, Valdir Schuck, vê a situação com grande apreensão.

Valdir Schuck

“Este cenário é bastante preocupante, se ficar assim, vai inviabilizar, vai ser uma quebradeira no calçado. Os pedidos que tem agora em carteira, eles vão mandar embora assim, o pessoal vai perder. Mas nas negociações futuras não vai fechar preço. Não sei o que vai dar, estou bastante preocupado, eu vejo que vai dar desemprego por aí.”

Toda a produção é voltada para a exportação aos EUA

O gerente da unidade hervalense da H. Kuntzler, Milton Luis Schneider, detalha que todas as linhas atuais são voltadas à exportação para os EUA.

Milton Luis Schneider

“As três linhas de produção são de exportação, e justo agora estamos trabalhando 100% para consumo americano. Então o que a gente vê assim, o cenário hoje é de muita insegurança. A gente não sabe o que vai acontecer no futuro, o cliente pode simplesmente cancelar os pedidos e a gente não conseguir produzir mais. E inclusive falando com a direção, até eles não sabem o que vai dar. Mas a preocupação é constante e as coisas são muito inseguras. […] Nosso governo, nem estadual nem federal, se importam com este setor, e é o setor que mais emprega pessoas. Tem muitas pessoas em volta, muitos componentes, imagina a cadeia que é, então se não fechar calçado os outros também não vão ter estes pedidos. O sentimento é de extrema preocupação e uma certa revolta das pessoas que tinham que se envolver e não estão se envolvendo, que são nossos governantes, principalmente o federal.”

O que pensam os prefeitos?

 

Jerri Meneghetti, prefeito de Dois Irmãos

“É possível que tenhamos alguma diminuição de postos de trabalho. Algumas empresas de Dois Irmãos exportam parte de sua produção para os Estados Unidos. Embora não seja o principal mercado, o efeito da medida no âmbito estadual tende a trazer consequências aqui, pois com a perda de mercado ocorrendo em nível regional, certamente empresas sediadas em outros municípios vão acabar disputando mercado com nossas empresas, o que pode refletir na diminuição da nossa produção, consequentemente diminuindo a receita tributária do Município e a oferta de vagas de trabalho. […] É necessário que o governo faça todo o esforço para evitar a perda de espaço no maior mercado consumidor do mundo.”


Gilnei Capeletti, prefeito de Santa Maria do Herval

“A primeira notícia triste já veio. O município estava em tratativas desde maio para a instalação de uma empresa de frangos que atua, atualmente, da região de São Paulo para cima, e estavam procurando uma área para adquirir aqui no Sul para expandir sua produção por aqui. Estavam em busca de uma área de 20 a 40 hectares para comprar. Eles analisaram propriedades em Santa Maria do Herval, gostaram, respondemos um questionário e resposta foi a confirmação de que o município está apto para receber a empresa. Inicialmente, iriam criar frangos e, futuramente, quem sabe, até abrir um abatedouro. No entanto, com essa questão do tarifaço a empresa decidiu pausar a negociação. Infelizmente. A possibilidade ainda está em aberto, mas depende de como o mercado vai reagir daqui por diante, porque a carne também está inclusa no tarifaço.
Sobre o calçado, ainda não sabemos o quanto poderá nos afetar mas, com certeza, terá impacto negativo. Tudo isso afeta a arrecadação, e consequentemente nos trabalhos que temos em andamento e o que planejamos para o futuro.”


 

Ester Dill Koch, prefeita de São José do Hortêncio – Créd. Marco Dieter

“Como não temos empresas que exportam diretamente para os Estados Unidos, não devemos sentir um impacto imediato a nível local. No entanto, considerando que a economia funciona como um ecossistema interligado, acreditamos que, a médio e longo prazos, possa haver algum reflexo na arrecadação de impostos. Seguimos torcendo para que os governos federais do Brasil e dos Estados Unidos encontrem caminhos de negociação que resultem em termos razoáveis para todos.”


Daniel Rückert, prefeito de Picada Café

“Acreditamos que, localmente, os impactos sejam pequenos, mas a situação regional nos preocupa, especialmente no que diz respeito às empresas exportadoras de calçados e do setor moveleiro. Assim como os demais prefeitos, seguimos atentos ao cenário e torcendo para que as negociações avancem. Brasil e Estados Unidos são grandes parceiros comerciais e precisam somar esforços e não o contrário.”


Prefeito de Estância Velha, Diego Francisco

 

“A Prefeitura acompanha com atenção e certa apreensão os desdobramentos das novas tarifas impostas pelos Estados Unidos. A medida pode afetar diretamente setores fundamentais da nossa economia, como o de couro e peles, calçados, bolsas e outros artefatos de moda. Mesmo diante desse cenário, as indústrias locais já buscam alternativas para manter suas exportações, mirando novos mercados além dos EUA. A nossa principal prioridade é clara: garantir os empregos e proteger os trabalhadores. Seguimos em diálogo com empresários do município, acompanhando de perto os impactos semana a semana. Também estamos alinhados com o Governo do Estado nesse monitoramento, trabalhando de forma integrada para buscar soluções e abrir novas portas para nossos produtos no mercado internacional.”


Prefeito de Ivoti, Valdir Ludwig

“Acredito que as autoridades, tanto brasileiras quanto norte-americanas, precisam chegar a um entendimento. É fato que temos empresas que exportam muitos produtos para os Estados Unidos. Elas possuem mercadorias prestes a serem embarcadas, mas enfrentam enorme insegurança, pois não sabem qual será a taxação aplicada quando chegarem ao destino. O que se vive, neste momento, é um cenário de grande instabilidade. Isso impacta diretamente nossa arrecadação. Sem exportação, há diminuição nos negócios, e isso, de fato, nos preocupa muito. Nosso foco e nossa missão são arrecadar cada vez mais, porque temos um compromisso com a comunidade. Sabemos que precisamos, a cada dia, investir mais em educação, saúde, infraestrutura, mobilidade urbana e esporte. Creio que deveria haver certa cautela, e não desafiar um governo ao qual nós exportamos um grande percentual dos produtos produzidos aqui no Brasil.”


Prefeito de Lindolfo Collor, Gaspar Behne

“Em Lindolfo Collor, há muitos produtores rurais e frigoríficos. Isso vai afetar a produção. A carne e outros derivados afeta a produção e empresas, que podem parar. Isso pode dar uma onda de desemprego em nossa região, inclusive no nosso Município. Lindolfo Collor tem uma economia diversificada, mas alguma coisa vai afetar. Fico triste quando não há diálogo entre governantes. Nosso presidente, de alguma forma, ofendeu o presidente dos EUA. Não sei o que está acontecendo, se é uma disputa de poderes, mas ela não deveria acontecer. Deveria haver união entre os poderes federais.”


Prefeito de Nova Petrópolis, Daniel Michaelsen

“O governo brasileiro precisa dialogar com os Estados Unidos. Não adianta ficar mandando recado. Precisa de maturidade, afinal, estamos falando da maior economia do mundo. EUA é um cliente muito importante, representando muito em exportações. Não pode ser tratado assim. Não é uma questão de quebra de braço, mas diálogo. A Europa, a Rússia, a China e todos os países que tiveram tarifas negociaram com o governo dos Estados Unidos e conseguiram resolver essa situação. Mas o nosso governo não conseguiu resolver pela incompetência.”

US$ 111,8 milhões enviados aos EUA no primeiro semestre

Segundo o presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, a sobretaxa deverá inviabilizar as exportações brasileiras de calçados aos EUA.

“Temos empresas cuja produção é integralmente voltada ao mercado externo, principalmente o norte-americano. Com a nova tarifa, os produtos brasileiros ficarão mais caros do que os da China, que pagam apenas 30% de sobretaxa. Estimamos, neste primeiro momento, a perda de aproximadamente 8 mil empregos diretos.”

Ferreira reforça que, historicamente, os EUA representam mais de 20% do faturamento obtido com exportações de calçados brasileiros e que, no primeiro semestre de 2025, o Brasil enviou ao país 5,8 milhões de pares, somando US$ 111,8 milhões.

“Mesmo em um cenário internacional adverso, o setor vinha mostrando recuperação. Agora, com a tarifa de 50%, todo esse ciclo será interrompido, com efeitos econômicos e sociais importantes para o Brasil.”

Trump impõe tarifaço ao Brasil e agrava crise diplomática

O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, alegando ameaça à segurança nacional e práticas comerciais injustas. A medida também tem viés político, em resposta ao julgamento de Jair Bolsonaro, considerado por Trump uma “caça às bruxas”.

Presidente dos EUA diz que está aberto a negociações – Créd. The White House

As tarifas, parte da política “Liberation Day”, já afetam exportadores brasileiros e geram alerta do Banco Central, que prevê impacto na inflação e no comércio exterior.

O governo americano criticou ações como restrições à liberdade de expressão e censura digital promovidas por autoridades brasileiras, considerando-as abusos de poder e intervenção na economia dos EUA.

 

 

 

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