Cadernos

26 anos de Picada Café

04/05/2018 - 14h00min

Atualizada em 04/05/2018 - 14h12min

História que vivi

Saudades da vida simples de antigamente

Aos 82 anos de idade, dona Maria Dieter nasceu na localidade de Quatro Cantos. Há 62 anos é casada com Albino Alcido Dieter, 87, natural do Jamerthal, onde vivem com a família. Os dois cresceram no interior e desde cedo trabalham na mesma lida dos pais, cultivando a lavoura, plantando e colhendo. Juntos criaram os filhos Jorge, 58 anos; Rui, já falecido; Rosane, 55 anos e Urbano, 53 anos. Até hoje ela diz que sente saudade da história que viveu, num tempo em que Picada Café dava ainda seus primeiros passos em direção ao crescimento.

Diz que cresceram na roça e é da roça que a família tira o sustento até hoje. Criou os filhos num tempo em que não havia preocupação. “Eu não conheço mais nada que não seja da roça”, cita. Recorda de seu tempo de solteira, quando auxiliava as mulheres da comunidade que davam à luz com a ajuda de parteiras.

Logo que casada, comprou com o marido parte das terras do sogro. Durante dois anos morou no paiol que na parte dos fundos abrigava a criação de gado, que garantia carne e leite para o sustento. Diz que a sogra, Ana Elizabetha, ajudava a cuidar das crianças enquanto ela e seu Albino trabalhavam na roça plantando milho, feijão, batata-doce e inglesa, e outras culturas. Tudo o que era produzido na propriedade, era vendido nos armazéns da Joaneta e de Picada Café, levados no lombo de cavalo. Ela lembra de comercializar galinhas e ovos em troca de carne.

Tranquilidade dos velhos tempos

Fala com saudade da tranquilidade de um tempo passado, quando conhecia moradores da localidade pelo nome, quando podia sentar na frente de casa com a família sem preocupações. Diz que as fábricas de calçados que se instalaram na região trouxeram muitas pessoas de fora, totalmente desconhecidos, o que causa alguma insegurança. “No passado, os negócios tinham mais futuro, havia muito mais roça”, recorda se referindo a um tempo em que todos viviam com mais tranquilidade e com menos preocupações.

Dona Maria e seu Albino Alcido Dieter, há 62 anos vivendo no Jamerthal

Vida dedicada ao comércio e salão de baile

Na localidade de Quatro Cantos, Benno e Lucila Stoffel, 88 e 82 anos respectivamente, casados há 67 anos, ainda vivem no antigo armazém que também sediou, por 27 anos, muitos bailes, atraindo moradores de toda a região. O armazém de secos e molhados, comandado por dona Lucina, até hoje em funcionamento, é um ponto de encontro da comunidade e onde se encontram moradores locais nos finais de tarde de sexta-feira para jogos de carta acompanhados de boa conversa regada a cerveja. O maior movimento, segundo ela e seu Benno, ainda é nos finais de semana.

Ela natural do Walachai e ele de Picada Schneider, compraram uma área de terra logo que casaram. Recordam de terem morado no paiol, dividindo espaço com a criação por cinco anos, até construírem a primeira morada. Inicialmente os dois trabalhavam na roça, plantando de quase tudo para o sustento e para ser vendido no comércio local, de Novo Hamburgo e de São Leopoldo. “Aqui era tudo uma capoeira, não tinha nem um poste”, diz seu Benno. Ele recorda de terem aberto o armazém em 1969, depois que dona Lucila, por razões de saúde, não podia mais auxiliá-lo na lavoura. Ele continuou na roça, plantando e colhendo feijão, milho, amendoim, entre outras culturas e fazendo varejo com sua velha Rural e ela passou a cuidar do armazém. “As segundas-feiras era dia de maior movimento. Vinham do interior as mulheres carregadas de ovos e manteiga para trocarem por mercadorias”, recorda dona Lucila

Comentam que trabalharam muito. Até mesmo nos dias de baile tinha muito trabalho para abastecer a copa com pasteis e bebidas. Para eles, os velhos tempos deixaram saudade, eram melhor porque havia muito movimento no comércio. “O povo tem saudade do tempo dos bailes e às vezes um ou outro comenta que conheceram suas esposas nos bailes”, diz seu Benno. O casal tem dois filhos: Laércio, 53 anos; e Almiro, 56 e contam com a ajuda da nora Liani e de Laércio no armazém.

Lucila e Benno Stoffel, casal mantém comércio na localidade de Quatro Cantos onde comandaram salão de baile por 27 anos

Confiança inspira convivências duradouras

Silfredo Metz, 80 anos, natural de Picada Café, é viúvo da professora Nelsi Célia Fuchs Metz e pai de três filhos: Rosângela, 49 anos; Marilene, 45; e Édison, 42. Hoje vive na Picada Holanda onde recorda sua trajetória, tendo trabalhado em diversos locais do município. Falar em seu Silfredo remete a um homem conhecido por sua simplicidade e por sua honestidade. Em diversas ocasiões foi convidado a trabalhar pela confiança que ele inspira. Ao longo de sua vida tem feito grandes e duradouras amizades, alimentadas pelo seu jeito de pessoa de bem.

Filho de Balduíno e Rosa Metz, diz que os pais deixaram a propriedade no Cafeek quando ele tinha 14 anos e foi morar perto do Parque. Faz parte de uma família de 14 irmãos, dos quais, oito estão vivos. Por muitos anos trabalhou como diarista, fazendo serviços na roça para terceiros. As 17 anos trabalhava para empreiteiras na manutenção da BR-116, quando a rodovia era ainda de saibro. Serviu no Exército e retornou, trabalhando na mesma atividade.

A convite de um dos mais importantes comerciantes do município, Jorge Kuhn, foi trabalhar na sua casa de comércio, inicialmente nos dias de maior movimento, nas quintas e sextas-feiras. Diz que foi morar no armazém em 1963, no período em que la funcionava também moinho e açougue, e o proprietário mantinha uma lavoura e criação de gado. Permaneceu la até 1968 fazendo de tudo um pouco, inclusive levando mercadorias como banha, feijão e amendoim para o comércio da capital. “A gente já começava a descarregar no Rincão, em Novo Hamburgo”, recorda.

Mudou-se para Picada Holanda após seu casamento, em 1969. Trabalhou no Curtume Ritter por 34 anos. Na empresa, sofreu um acidente, quebrando a bacia ao cair de uma escada. Tal acontecimento deixou sequelas até hoje, o que o faz caminhar com apoio de muletas. Além de desempenhar praticamente todas as funções no Curtume, tinha como função administrar a plantação de maçãs na fazenda dos proprietários do curtume, em Tainhas, de onde ele trazia toneladas da fruta que na época não tinha em abundância como hoje. Em certa ocasião, cuidou de uma banca para venda de maçãs, em frente ao Curtume, atraindo clientes de todos os lugares.

Silfredo Metz

Acordeonista tem acervo de quase 300 instrumentos de fole

A localidade de Jammerthal acaba de ganhar um ilustre morador. Há cerca de três meses, o gaúcho nascido na colônia de Linha Francesa, hoje município de Barão, Wendelino Silirio Kinzel, 81 anos, mudou-se de Porto Alegre, onde viveu por 58 anos, para Picada Café, onde mantém uma coleção de aproximadamente 280 instrumentos de fole, principalmente acordeons, além de instrumentos de cordas, como violão, violino e rabecão, totalizando em torno de 360 peças. A esposa, a catarinense Guilhermina, não só o apoia como o acompanha em uma e outra canção tocando Bombo Legoeiro.

Wendelino nasceu e se criou em meio a música. Diz que os dois lados da família tinham vocação musical, mas afirma que nunca ganhou dinheiro com música, embora seja profissional. É filho do músico João Leopoldo Kinzel e diz que aprendeu olhando o pai tocar. “Meu pai tinha bandinha de sete figuras na década de 40/50”, aponta. Comenta que ouvia familiares contarem que ele, com apenas dois anos de idade, acompanhava os ensaios do pai no bandoneon tocando bateria, na época chamada de jazzband, seguindo o compasso, sempre no ritmo.

“Eu sou música”, diz Vendelino”, que além de colecionar instrumentos, guarda muitas recordações, prêmios e homenagens como o Certificado de Habilitação da Ordem dos Músicos do Brasil, que lhe confere certificado de acordeonista e cantor, com data de 1969; troféu de 1o lugar em bandonion no Festival Gaúcho de Arte e Tradição (Fegart) de Farroupilha e 1o lugar em Gaita Ponto, além de uma linda medalha que o destaca como o gaiteiro de invernadas por mais tempo no 35 CTG, de 1975 a 1989. Com muita satisfação, diz que em dois livros Renato Borguetti, músico instrumentista e acordeonista brasileiro, com sólida carreira internacional, fala em seu nome como seu inspirador.

A coleção de acordeon começou no ano de 1961, logo que chegou a Porto Alegre, quando tinha um comércio conhecido como Vendinha. Diz que por la apareceu um cliente interessado em trocar o instrumento por uma garrafa de cachaça e um maço de cigarro. Wendelino não pensou duas vezes e, de lá para cá, não parou mais e virou colecionador. A maioria das peças foram compradas. “Em todo esse período, ganhei cinco ou seis peças de conhecidos, o resto tudo foi comprado”, aponta.

Em sua coleção ele preserva algumas relíquias, como a peça mais antiga, de 1884, que chegou as suas mãos através do músico e amigo, Mano Monteiro, um acordeon trazido da Itália por antepassados do tradicionalista; a botoneira, que era do seu bisavô, Manoel Kinzel, o popular Maneco; e outras, de diferentes marcas, algumas delas fabricadas na Itália, como um modelo que ele exibe orgulhoso, cravejada com pedras preciosas; outras da marca Bertolini, de Cachoeira do Sul; Mesquita, de Terras de Areia e ainda modelos da Alemanha. “Poucas delas não funcionam”, diz o músico que presenteia os visitantes com algumas músicas em diferentes instrumentos e que pretende continuar colecionando acordeons, “pelo menos por mais 80 anos”.

Visitas mediante agendamento

O acordeonista faz questão de dizer que os instrumentos que coleciona são acordeons e não gaitas. “Gaita é aquela dos escoceses”, observa. Para ele, suas peças têm valor comercial, cultural e histórico. A intenção é preservá-los para divulgar a cultura e a tradição. E é pensando nisso que ele está organizando na nova casa um espaço que em breve pretende abrir para visitação de interessados, mediante agendamento. Diz que uma de suas grandes alegrias sempre foi falar da música, principalmente para as novas gerações, “para que tenham orientação”, explica. Ele se apresentava em vários programas como na Rádio Sulina, em Santa Rosa; nas rádios Triunfo, Difusora e Farroupilha e guarda uma lembrança muito especial do programa Grande Rodeio Coringa, da Farroupilha: um prêmio entregue em 1964 por sua atuação nas apresentações nas invernadas de duplas e trios, que ocorriam a cada domingo, cujos melhores eram escolhidos pelo aplauso da plateia.

Wendelino Silirio Kinzel, músico preserva acervo de instrumentos de fole e de cordas

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