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“Não é terapia, mas é terapêutico” — o vídeo que emocionou o Brasil e revelou a força do pertencer
Como uma postagem despretensiosa de Jordana viralizou ao mostrar que vínculos simples podem transformar dores profundas em movimentos de afeto, pertencimento e resistência
Por Cleiton Zimer
No dia 5 de abril, Jordana Tuchtenhagen publicou um vídeo simples no Instagram. Sentada à mesa de um boliche com amigas, ela escreveu na legenda: “Não é terapia, mas é terapêutico.” Em seguida, completou: “Todo mundo deveria, por lei, achar uma brecha na agenda e convidar semanalmente um amigo para tomar um café, dividir uma garrafa de vinho ou algumas cervejas, conversar bobagens e resgatar a leveza encoberta pela fina poeira do cotidiano.”
A trilha sonora era “Sem medo de ser feliz”, de Zezé Di Camargo e Luciano. A simplicidade da cena e a sinceridade das palavras fizeram com que o vídeo atravessasse o Brasil. Em poucos dias, as imagens de Jordana e suas amigas alcançaram 1,1 milhão de visualizações – com quase 54 mil curtidas.
No perfil modesto de 2.500 seguidores, chegaram mensagens de pessoas de todo o país: algumas queriam participar do grupo, outras se disseram emocionadas. Houve quem declarasse: “Estou precisando muito de momentos como esse.”
O que pouca gente sabia é que aquela mesa de boliche carregava mais do que leveza. Carregava uma história inteira. Carregava sobrevivência.
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Dor, recomeço e saudade
Jordana tem 39 anos e mora em Ivoti – RS. É natural de Tapes, cidade da qual se mudou há dez anos, junto ao marido, Marcelo Barcellos, 43, e ao filho Leonardo. Mais tarde nasceria o pequeno Lorenzo, hoje com sete anos. Mas antes dele houve também Henrique, o segundo filho, que viveu três anos de intensas lutas. Portador de uma síndrome genética, Henrique passou por 24 internações até que, numa delas, contraiu um vírus hospitalar e não resistiu.
“Ele não faleceu da síndrome. Ele faleceu por conta de uma pneumonia, depois de ser entubado e ser atingido por um vírus. Era muito sorridente, muito alegre, mesmo com todas as limitações.”
A dor pela perda de Henrique mudou os rumos da família. Buscaram um recomeço em Ivoti, onde Marcelo passou a trabalhar como prestador de serviços e Jordana se ocupou da loja da família. Tudo caminhava com alguma serenidade até 2021. Em janeiro daquele ano, Leonardo, então com 18 anos, cometeu suicídio após o término de um relacionamento.
“Ele nunca demonstrou nada. Nunca pediu ajuda. Nunca imaginamos. Mas ele queria acabar com a dor, e não com a vida”, diz ela.
O coração da mãe se despedaçou. Tinha perdido dois filhos – indo ao contrário do curso natural, em que os filhos se despedem dos pais.
Como descrever tamanha dor, se não há sequer palavras para expressá-la?
Fazer parte de algo
Foi a partir dali que Jordana entendeu que precisava se manter em movimento. Encontrar algo que a puxasse do chão.
E foi no vôlei, esporte que ela admirava desde a adolescência, que descobriu um caminho. “Eu não sabia jogar de verdade, nem sabia as regras, mas precisava de um lugar onde eu fizesse parte, onde estivesse com pessoas todas as semanas, onde pudesse brincar, dar risada.”
Com os convites de uma amiga e depois de outra, formou um grupo. Hoje, coordena dois: um em Ivoti e outro em Presidente Lucena, com apoio da amiga Aline Jung, 40 anos.
“Não é só o lado rosa. Mas é muito gratificante. Elas me ajudam muito mais do que sabem.”
O grupo se chama Descontravôlei. Reúne mulheres diferentes, com histórias distintas, mas que compartilham da mesma vontade de fazer parte de algo. Jordana entende que muitas como ela, talvez com dores invisíveis, estejam isoladas em casa sem saber onde buscar acolhimento.
“Quantas Jordanas, Anas, Marias estão aí, quietas, com início de depressão, precisando de algo que as resgate, que as movimente?”
Foi esse grito silencioso que fez o vídeo viralizar. Foi isso que tocou as pessoas. Não era somente sobre o vôlei. Era sobre pertencer. Sobre fazer parte de algo.
“Pode ser vôlei, futevôlei, caminhada, corrida. Cada um se identifica com uma atividade. Mas o presente é o mesmo: convivência.”
O grupo de Jordana durante os jogos de vôlei
Setembro amarelo: o cuidado como compromisso
Sabedora da importância, em setembro Jordana prepara um evento para marcar o mês de prevenção ao suicídio. Com apoio das prefeituras de Ivoti e Presidente Lucena, organiza um festival de vôlei solidário e talvez outras atividades esportivas.
A inscrição será um quilo de alimento não perecível, que será destinado ao setor de saúde mental do Hospital de Ivoti. Também está prevista uma palestra com psicóloga. A ideia é que o evento seja mais do que esportivo. Seja um ponto de encontro, de escuta, de acolhimento.
Detalhes serão informados mais à frente. E informações sobre como participar do Descontravôlei podem ser conferidas no Instagram @descontravolei_iv_pl.
Uma fresta de leveza
A simplicidade do vídeo que viralizou é um espelho disso tudo. Uma mesa, algumas cervejas, um sorriso honesto, uma música ao fundo. Mas ali há mais do que aparenta – muito mais do que apenas visualizações no Instagram. Há uma história de perda, de resistência, de reinvenção. Há o lembrete de que, mesmo em meio ao caos, é possível encontrar uma fresta de leveza.
“A gente precisa criar brechas. Brechas para rir, para jogar, para conversar bobagens. Porque isso, sim, é terapêutico.”
No fim, não é sobre o que lhe acontece. Mas sobre como se reage ao que acontece. Isso é a vida, tanto a de Jordana, a sua, a nossa.