Conecte-se conosco

Destaques

Preso na Argentina: assaltante deveria estar trabalhando em salão de beleza quando matou pai e filho

19/05/2019 - 14h03min

Davi dos Santos Mello está foragido há 23 dias

Estância Velha – Documentos do Tribunal de Justiça (TJ/RS), obtidos com exclusividade pelo Diário, revelam a ineficiência do Estado e do sistema de Justiça em controlar detentos que cumprem pena nos regimes semiaberto e aberto. O assaltante Davi dos Santos Mello, de 20 anos, apontado pela polícia como sendo um dos autores do assalto que terminou com a morte de pai e filho, em uma ótica, no dia 10 de abril, deveria estar trabalhando e sendo monitorado por tornozeleira eletrônica no momento em que cometeu o crime. Ele está foragido desde o dia do crime.

Um mês antes de participar do latrocínio que vitimou Leomar Jacó Canova e Luiz Fernando Canova, Davi Mello havia conquistado, na Justiça, o direito de cumprir o restante de uma condenação por roubo de veículo no regime semiaberto. Entretanto, para obter o benefício, o assaltante apresentou à Justiça uma carta de emprego em um precário salão de beleza, que funciona em uma casa inacabada, na Vila Palmeira, no bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo.

O juiz Carlos Fernando Noschang Júnior, da Vara de Execução Criminal (VEC) de Novo Hamburgo, aceitou a carta de emprego, considerando que esse seria uma maneira de ressocialização do apenado. O que não constou no documento, porém, é que o salão de beleza em que Davi revelou interesse em trabalhar é um negócio de uma pessoa só, cujo capital social é de R$ 1.000 e a dona é a própria sogra.

DUAS IMPOSIÇÕES
Na decisão em que concorda que Davi Mello trabalhe para a sogra, assinada no dia 12 de março, o juiz da VEC impõe somente duas exigências – nenhuma, porém, suficiente para impedir que o detento volte a cometer delitos.
Uma delas proibia o assaltante de se ausentar do local de trabalho, e a outra exigia que o criminoso comunicasse qualquer alteração do local ou condições de trabalho à Justiça.

Ainda na mesma decisão, advertiu o juiz Carlos Noschang Júnior, que a fiscalização do trabalho externo era de responsabilidade da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).

Um dia antes do latrocínio, juiz pede informações sobre conduta do bandido na cadeia

Os documentos obtidos pelo Diário fazem outra revelação. No dia 9 de abril, portanto, um dia antes de Davi dos Santos Mello e Rafael Santos Domingues, 19 anos, cometerem o assalto que resultou na morte de pai e filho em Estância Velha, a Vara de Execução Criminal de Novo Hamburgo analisava a conduta do presidiário Davi Mello para decidir se concederia liberdade condicional ao mesmo.

Em despacho, novamente assinado pelo juiz Carlos Fernando Noschang Júnior, o magistrado solicita à Susepe encaminhe o atestado de conduta carcerária e a avaliação psicológica e da assistente social, para fins de análise do benefício ao detento Davi. Ainda, em outro ofício expedido no dia 9, o juiz solicita ao diretor do presídio de Novo Hamburgo o atestado de efetivo trabalho.

Sem tornozeleiras à disposição, assaltante teve o privilégio de ficar em casa sem qualquer monitoramento

Davi dos Santos Mello, condenado a 5 anos e 4 meses de prisão por roubar um carro, em agosto de 2017, é apenas mais presidiário que recebe regalias em decorrência da precariedade do sistema prisional gaúcho. Além de apresentar carta de emprego para trabalhar em local suspeito – salão de beleza da sogra – o apenado conquistou o privilégio de cumprir parte da pena em casa, sem qualquer tipo de controle do Estado.

A decisão de levá-lo a prisão domiciliar foi tomada em fevereiro deste ano, após o juiz que preside a Vara de Execuções Criminais (VEC) de Novo Hamburgo saber que não haviam tornozeleiras eletrônicas à disposição, em razão da troca da empresa que fornece os equipamentos ao Estado. “Não havendo possibilidade de encaminhar os apenados, que devem cumprir pena no regime aberto, para casa de albergado ou uso de tornozeleira, determino, de forma provisória e excepcional, o encaminhamento do reeducando à prisão domiciliar”, escreveu o magistrado em decisão publicada dia 21 de fevereiro.

O juiz deixa consignado que “com a regularização do fornecimento das tornozeleiras, o apenado será encaminhado para monitoramento eletrônico”, algo que não aconteceu até o dia 10 de abril, quando o criminoso e o comparsa assaltaram a Ótica Elaine e mataram os empresários Leomar e Luiz Fernando.

A Susepe e o Tribunal de Justiça foram procurados, mas não responderam aos questionamentos feitos pela reportagem até o fechamento desta matéria.

RELEMBRE O CASO
Na manhã do dia 10 de abril, por volta das 9 horas, dois homens armados, bem-vestidos e jovens, invadiram a Ótica Elaine e anunciaram o assalto. Enquanto um mantinha duas vítimas reféns no setor de atendimento, outro bandido entrou na oficina da ótica, onde rendeu pai e filho.

O assalto se encaminhava para o fim, quando uma das vítimas tentou agarrar um dos assaltantes. Os criminosos reagiram e mataram, com tiros a queima roupa, Leomar Canova e o filho, Luiz Fernando. As outras duas vítimas não se feriram. Os bandidos fugiram levando sacolas cheias de joias de ouro, semijoias e relógios.

A dupla atravessou o Pavilhão de Atividades Culturais (PAC) correndo e embarcou em um Honda City. No dia do crime, a polícia localizou o carro usado pelos assaltantes abandonado na rua Ceará, no bairro Rincão, em Novo Hamburgo. Dentro, estavam os óculos usados no assalto, a camiseta usada por um deles, e um anel de ouro. O Honda City estava com placas clonadas e em ocorrência de roubo.

Com a divulgação das imagens do crime, a Polícia Civil passou a receber dezenas de denúncias indicando os possíveis autores do crime. No dia seguinte ao latrocínio, a polícia já sabia quem eram os delinquentes e passou a trabalhar para as respectivas prisões. Após realizar diversas diligências e descobrir que os acusados haviam fugido no dia do crime, a Polícia decidiu divulgar o resultado a investigação e apresentar os rostos dos dois assaltantes.

Rafael Domingues

No dia 22 de abril, foi realizada coletiva para a divulgação dos nomes e fotos dos acusados: Davi dos Santos Mello e Rafael Santos Domingues. Davi foi reconhecido pela própria mãe como sendo um dos autores do latrocínio.

 

No dia seguinte, dia 23, a Brigada Militar localizou o esconderijo de um deles. Rafael Domingues foi preso no interior de Portão, na casa do traficante Zoreia, apontado como o chefe do tráfico de drogas na Vila Brás, em São Leopoldo. Agora, a polícia está mobilizada em busca de vestígios de Davi, que completa 23 dias foragido.

Conteúdo EXCLUSIVO para assinantes

Faça sua assinatura digital e tenha acesso ilimitado ao site.