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Diário da Terceira Idade – Especial: pescador relembra o dia que encontrou um meteorito

06/04/2023 - 10h01min

Dário Maduell no local onde caíram os meteoritos (Créd.: Dário Gonçalves)

Capão do Leão – “Vou tentar explicar o que aconteceu quando estávamos eu e meu irmão pescando, infelizmente ele não está mais aqui, e encontramos umas pedras que vieram do céu”, assim começa o relato de Dário Maduell Gonçalves, hoje com 80 anos, ao voltar ao local em que ele e o irmão, Altamir Maduell Gonçalves, quase foram atingidos por meteoritos enquanto pescavam no dia 10 de abril de 1999.

Quase 24 anos depois, o pescador retornou ao local para contar a história ao filho, Dário Maduell Gonçalves Filho, que escreve esta matéria. Por isso, esta edição do Diário da Terceira Idade é especial, pois relembra um fato marcante na vida de Dário (pai), e Altamir, o Mirim, o homem que de fato encontrou as pedras e as guardava com muito orgulho.

Chuva de meteoros

Dário e o irmão mais novo, Mirim, eram inseparáveis, melhores amigos. Cresceram juntos e viveram a vida toda há poucas ruas de distância. Até por isso, a partida de Mirim, em fevereiro de 2015, mexeu muito com Dário. Mas, naquele dia de 1999, ambos estavam firmes e fortes, fazendo o que mais amavam: pescando às margens do Arroio Padre Doutor, no Capão do Leão, que deságua no Canal São Gonçalo.

Altamir Maduell com as pedras encontradas (Créd.: Nauro Júnior/Zero Hora)

O barco de Dário, o Delgado – um bote de 12 metros de comprimento por três de largura, estava ancorado no embarcadouro junto a outras embarcações de pescadores locais, há cerca de 200 metros do barranco onde os irmãos estavam. Na época, Dário tinha 56 anos e Mirim 49. Já era fim de tarde e o sol começava a se pôr no horizonte atrás deles. “Eu tava sentado aqui, na época não tinha esse mato, era só areia. E o Mirim tava aqui do lado quando aconteceu”, explica o pescador ao mostrar o local onde estavam.

Virando-se de costas ao leito do Arroio, Dário deu cerca e 10 passos e mostrou aonde as pedras que vieram do céu caíram. Foram três meteoritos encontrados em buracos recém-criados na areia. “Ouvimos também um barulho na água, eu acho que devem ter caído ali também”, afirma.

Voltando no tempo

A partir daqui, convidamos o leitor a “voltar no tempo” e se juntar aos irmãos pescadores para reviver o momento a partir do relato dos dois, inclusive de Mirim, que contou essa história por inúmeras vezes, até mesmo na televisão.

“Shhhhhhh”! O barulho de algo cortando o vento, seguido de um impacto seco na areia assustou os pescadores. “O que é isso, tchê?”, perguntou Dário. “Caiu alguma coisa aqui”, respondeu Mirim. “Isso deve de ser coisa daqueles ‘guri’ lá na ponte, atirando pedra pra cá”, deduziu o mais velho e não deu bola para o que poderia ser, afinal, pensava que não passava de uma brincadeira de alguns jovens que estavam ali perto. O outro já pensou que tivessem atirado uma bombinha de São João, por conta do barulho.

Mas Mirim não se convenceu e decidiu investigar, com a ajuda de uma lanterna. Quase noite, notou algo estranho onde antes era tudo plano. “Olha isso aqui, Dário. O que é isso?”, questionou Mirim ao ver os buracos um tanto quanto profundo para terem sido feitos a partir de algo jogado por garotos.

Ao escavar a pedra com a ponta de uma faca, notou que ela era diferente que se vê na beira de rios. Ela era cheia de pequenos buracos, tendo o cinza como cor predominante, mas com um brilho diferente de todas as outras conforme mudava de posição. Além disso, ainda estava levemente quente. Já imaginando o que poderia ser, os irmãos recolheram suas coisas e foram embora. “É coisa que veio do céu, pode ser um tesouro”, repetia para si mesmo enquanto voltava pegava a trilha de volta para casa em meio ao mato. No outro dia, Mirim voltou ao local, mas a pescaria que almejava era outra. Dessa vez, queria fisgar mais alguns meteoritos e, num raio de cerca de três metros no máximo, outras duas pedras semelhantes foram encontradas. Todas exibiam um brilho negro metálico, como se tivessem sido queimadas.

Até hoje, o pescador segue com sua paixão (Créd.: Dário Gonçalves)

Risco de morte

De acordo com estudos, apenas 5% dos meteoros chegam à superfície terrestre em formato de meteorito. Isso porque, a grande maioria é completamente incinerada ao entrar na atmosfera do planeta, e caem majoritariamente nos oceanos. Portanto, a chance de um ser humano ser atingido é extremamente rara e as estimativas chegam a uma pessoa a cada 840 milhões de meteoritos. Ainda assim, os irmãos pescadores estiveram há não mais de cinco metros de distância de entrarem para essa raríssima estatística.

“Felizmente não nos acertou, mas foi muito perto. Ouvimos um zunido e nos viramos na hora. Dentro d’água deve ter outros pedaços até hoje. E caiu né, se ninguém atirou, é porque caiu de cima”, relembra Dário.

Comprovação

De posse das pedras, Mirim passou os anos seguintes buscando comprovar suas suspeitas. Representantes de universidades até dos Estados Unidos visitaram-no na expectativa de estudar as pedras. “Me ofereceram um valor por elas, mas achei muito baixo e resolvi ficar com elas”, comentou Mirim já nos anos 2000.

Em 2009, o especialista em geologia, mineração e gemas, Ricardo Decker da Cruz, de Pelotas, identificou características meteoríticas nas pedras. Apesar do exame superficial, o geólogo constatou que elas não pertencem às rochas da região, o que já comprovava o relato do pescador. Mais tarde, Mirim também conseguiu registros que mostravam uma chuva de meteoros na data e hora em que ele achou as suas, sobre a região em que estavam.

Altamir Maduell acabou falecendo em fevereiro de 2015, e o pescador que fisgou um meteorito levou consigo o segredo de onde deixou seu tesouro espacial, sendo a maior das três pedras pesando 319 gramas. Dário, o irmão mais velho, até hoje, aos 80 anos, segue pescando a bordo de seu Delgado, lançando redes e, se não mais pescando os mesmos cardumes que antigamente, tampouco pedras que vieram do céu, certamente segue colecionando muitas histórias que, para muitos, podem não passar de “causos” de pescador, mas que são a pura verdade.

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