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Economistas divulgam carta criticando falas de Lula

18/11/2022 - 17h48min

Os economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, publicaram, na quinta-feira, uma carta aberta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva rebatendo críticas recentes do petista à responsabilidade fiscal.

O trio abre o texto, que foi publicado no jornal Folha de S.Paulo, lembrando fala de Lula proferida durante a COP 27, a conferência do clima das Nações Unidas. O presidente eleito declarou, na ocasião, que “não adianta ficar pensando só em responsabilidade fiscal, porque a gente tem que começar a pensar em responsabilidade social. O que é um teto de gastos num país? Se um teto de gastos fosse para discutir que a gente não vai pagar a quantidade de juros para o sistema financeiro que a gente paga todo ano, mas que a gente fosse manter as políticas sociais intactas, tudo bem. Mas não. Quando você coloca uma coisa chamada teto de gastos, tudo que acontece é você tirar dinheiro da saúde, da educação, da ciência e da tecnologia, da cultura… Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social e não mexe R$ 0,01 do sistema financeiro”.

Na carta publicada de quinta, os três economistas dizem compartilhar das “preocupações sociais e civilizatórias” de Lula, mas ressaltam que “o desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver”.

Veja a íntegra da carta

Caro presidente eleito Lula,

Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.

A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

Vejamos por quê.

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.

O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.

Respeitosamente,

Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan

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