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ESPECIAL: desvendando o chá de Santo Daime em Dois Irmãos

22/12/2022 - 10h07min

Atualizada em 27/12/2022 - 09h52min

Ísis Saldanha Vallejos colhendo as folhas da rainha, usada para fazer o chá. Créditos: Giordanna Benkenstein Vallejos

Por Giordanna Benkenstein Vallejos

Dois Irmãos – Há aproximadamente 20 minutos de distância do Centro, existe oculta em meio a uma densa floresta, a comunidade Céu de São Miguel, com moradores da doutrina religiosa do Santo Daime, que vivem de um jeito singular, baseado nos princípios de amor, caridade e fraternidade, da religião Daimista.

A religião é brasileira e oriunda da Amazônia. Por isso, é uma soma de diferentes crenças: nos seres da floresta e no uso do chá dos indígenas, o culto a Deus, Jesus e os Santos da Igreja Católica e elementos da Umbanda, com a atuação das entidades.

Trabalho do aniversário de 25 anos da comunidade Céu de São Miguel. Créditos: Giordanna Benkenstein Vallejos

 

 História do Santo Daime

De acordo com Alancardino Vallejos, o Santo Daime foi fundado pelo negro e neto de escravos Raimundo Irineu Serra, que era de origem católica. No momento que teve contato com o chá, Irineu teve uma visão de Nossa Senhora da Conceição, a qual lhe disse para fundar a doutrina e curar pessoas com a força do chá, o que ele passou a fazer em casa, inicialmente.

Depois, ela apareceu novamente e disse que ele deveria cantar a doutrina e que se ele abrisse a boca, ela cantaria com ele. Assim, estruturou-se a doutrina com cantos, chamados de hinos, que acontecem nos cultos, denominados de trabalhos.

 

 A importância do feitio

Para um trabalho acontecer e o chá de Santo Daime ser servido, existe todo um processo por trás desse momento. O feitio é o período em que os fardados, que são os batizados na religião, colhem as folhas e o cipó para preparar o chá e fazem comida, limpeza e organização dos espaços para o momento sagrado.

Nesta reportagem, é possível acompanhar o passo a passo de como é feito o Daime, até o trabalho de aniversário de 25 anos comunidade Céu de São Miguel, por meio de fotos e entrevistas com Daimistas, que falaram sobre a doutrina da floresta, sob o efeito do chá de Santo Daime.

As mulheres e a colheita da folha

Mulheres colhendo juntas as folhas da rainha. Créditos: Giordanna Benkenstein Vallejos

A folha da rainha é um dos dois ingredientes usados para produzir o chá de Santo Daime. Para os Daimistas, ela representa a força feminina da doutrina e por isso, ela é colhida apenas pelas mulheres.

Em meio a mata, com o som dos hinos tocando ao fundo, as mulheres começam a colher as folhas das rainhas. Antes de chegar na colheita, elas tomam o chá de Santo Daime e evitam conversar, para focar no momento que é simbólico e espiritual. “Esse momento significa entrar dentro de mim e conversar com ela, escutar o que ela diz. Ela vai me dizendo coisas internas que preciso curar. O Santo Daime é uma forma de vida, não é só estar aqui, é viver isso”, disse Bruna Martínez, olhando para as folhas da rainha e se referindo a planta.

Tatiane Machado Paim, explica que a rainha representa o lado feminino e o jagube o lado masculino. Além disso, se uma mulher está menstruada, não pode participar da colheita, pois ela está em um período de cura interno dela, para não transferir essa energia para o Santo Daime. “Faz 20 anos desde a primeira vez que tomei Daime. Esse momento da colheita da rainha é bem interessante para as mulheres, ele conecta com o feminino, sendo a representação da folha na doutrina. É muito interessante tomar o Santo Daime e vir trabalhar com a rainha, porque é outro trabalho espiritual da doutrina da floresta, que faz essa união”, disse ela.

Para Ísis Saldanha Vallejos, esse é um momento de trabalhar pela igreja e também de cura. “Acho muito importante quando tomamos o Santo Daime e vamos trabalhar com a folha, porque nos conectamos com a parte feminina da doutrina, que é tão sagrada na hora de fazer o Santo Daime”, explica.

 Dando à luz com o Daime

As mulheres entrevistadas explicam que o Daime pode ser tomado por gestantes, bebês e crianças, sempre com a quantidade certa e com os devidos cuidados. “Tive meus dois filhos de parto normal na força do Daime e me ajudou bastante. Eles tomam desde pequenos, quando estavam com dor de barriga, dava uma gotinha e ajudava. Não obrigamos, eles tomam quando querem, é uma escolha deles. Sinto que eles são mais calmos que as outras crianças, são diferentes e mais tranquilos”, relata Bruna Martínez. Apesar de ser uma tradição nesta comunidade, não há a indicação de profissionais da saúde para o uso.

Os homens e o jagube

Homens cantando e fazendo a bateção do jagube. Créditos: Giordanna Benkenstein Vallejos

Passando por uma trilha em meio a natureza, é possível ouvir o som da bateção de longe. No ritmo das batidas do coração, os homens cantam os hinos e batem o cipó jagube, para ser levado nas grandes panelas de cozimento. O jagube é um cipó que precisa crescer mais de dez anos para estar pronto para cozimento. Por isso, quando um jagube cai ou é cortado das árvores, é quando começa o feitio, tanto das mulheres, quanto dos homens. O corte do jagube pode ser bem complicado, pois por ser um cipó, ele se entrelaça e vai subindo até o topo das árvores.

As mulheres geralmente não presenciam esse momento da bateção. Compertino Boeira, Dirigente do Céu da Nova Dimensão Sul, explica o motivo disso e o sentimento dele durante o ato. “O mestre que determinou, apesar que hoje ter mulheres que fazem a bateção em outras comunidades. O sentimento é o mais diverso possível, cada um tem o seu, mas sempre buscamos a luz, a iluminação com Deus”, explica ele.

Para Alexandre Bustamante, o feitio é a essência do Santo Daime. “O que acontecer aqui pode vir a acontecer no salão depois. Aprendi tudo que sei em Santa Catarina, depois na Amazônia e com os mestres daqui. Durante o feitio não pode beber, fazer festa, tem que estar mais focado para se aprofundar no mundo espiritual. Esse trabalho é uma das coisas mais importantes na minha vida, depois da minha família”, relata ele.

O preparo do chá de Santo Daime

Panelas com o chá de Santo Daime sendo produzido. Créditos: Giordanna Benkenstein Vallejos

Alexandre explica que primeiro para ser feito o Daime tem que colher o cipó e as mulheres precisam colher as folhas. A quantidade é geralmente 5 para 1, ou seja, 50 kg de cipó para 10 kg de folha. Tendo as folhas limpas, pesadas, o cipó batido na bateção, se faz uma panela de chá. Para cada nova panela, é preciso ter duas panelas de chá de Daime, para fazer o cozimento, ou seja, é necessário aproximadamente 140 kg de cipó e 30 kg de folha ao total para fazer apenas uma panela de Daime.

Tipos de Daime

No momento que é colocado o cipó e a rainha novos, é feito o Daime de um grau, tirando ele da primeira fervura. O segundo Daime é da mesma panela, retirado na segunda fervura. Esse processo de fervura pode ser realizado por mais dez vezes. Cada tipo de Daime é usado para trabalhos diferentes. O primeiro grau e o segundo Daime são para concentração e hinário, os outros são usados para trabalhos mais de cura, sentados, com mais intensidade de espiritualidade. O primeiro e o segundo grau são os mais fortes. O Daime pode durar até um ano ou dois, dependendo do armazenamento.

O trabalho

Com o feitio concluído, ocorreu um trabalho especial, em homenagem aos 25 anos de fundação da Comunidade Céu de São Miguel, com mais de 102 visitantes de diversas regiões. O momento é quando todo o esforço feito no feitio é recompensado. As mulheres entram por uma porta e os homens pela outra. Depois, começam a tocar os hinos, consagram o Santo Daime, bailam e cantam por aproximadamente 8 horas, em uma experiência de autoconhecimento e fé.

 

 

 

 

 

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