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“O voto nada secreto”
* Por Felipe Borba, Delegado de Polícia e Mestre em Direito
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Costuma-se dizer que nossa democracia é jovem, quando comparada a de países de regimes políticos mais consolidados. Talvez isso explique, ao menos em parte, a nossa aparente falta de compreensão das preferências externadas pelos outros eleitores. Com impulsividade e paixão típicas dos mais jovens, atropelamos premissas fundamentais da democracia, como o pluralismo político e o respeito às diferenças.
Não nos contentamos em afirmar nossa afinidade com certa candidatura, o que talvez tenha a capacidade de atrair legitimamente o voto de indecisos. Atacamos e menosprezamos as demais candidaturas, menosprezo este que transferimos, aí já ingressando no campo da falta de educação, a quem ousa expor outras preferências.
Em surpreendentes demonstrações de intolerância, familiares discutem, amigos deixam de se falar e colegas de trabalho criam desarmonias. Numa linguagem moderna, muitas pessoas “saem dos grupos”. No período eleitoral, estamos nos reduzindo a eleitores, desconsiderando os variados e complexos significados de nossa existência.
Poucos realmente dominam as atribuições de cada cargo eletivo em disputa (não raro, os próprios candidatos), poucos conhecem os projetos de cada partido ou candidatura, mas, “ai de quem discordar” de nossa inquestionável posição, que muitas vezes se transfigura em fanatismo, como se este ou aquele postulante ao cargo fosse o responsável direto e exclusivo pelo bem-estar de todos os concidadãos, para toda a eternidade.
Direcionamos o voto para quem entendemos ser o representante ideal, perdendo a oportunidade de sermos um eleitor ideal. Participar de um evento democrático, sem possuir espírito democrático, é algo que exige reflexão crítica.
Na dúvida, reflitamos sobre as características do voto, nos termos da nossa Constituição. Neste importante documento, está previsto que o voto é obrigatório, universal, secreto e com valor igual para todos. A partir dessas características, fica claro que no processo eleitoral é imprescindível o mais fundamental dos valores que regem as relações sociais: o respeito.
Nosso sistema democrático, como qualquer outro aspecto de nossa convivência, é passível de aperfeiçoamento, mas a necessidade do respeito dispensa qualquer tipo de deliberação, mesmo porque é pressuposto de qualquer debate. A regra básica do jogo não pode estar em jogo.
Se for pedir demais que tenhamos sincero respeito com as diferenças ideológicas, que mantenhamos, apenas por educação, o respeito. Se ainda não possuímos serenidade e equilíbrio para discutir nossas inclinações políticas em ambiente de harmonia, como espera nossa jovem democracia, exercitemos então uma faculdade que a Constituição nos assegura: o voto secreto.