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Kartofle Khichelcher: o sabor da memória em Santa Maria do Herval
Mais que uma receita, o bolinho de batata frito na banha é herança afetiva que atravessa gerações
Dona Merceda Zimmer tem 83 anos e carrega nas mãos e no coração o sabor de uma tradição que atravessa gerações: o bolinho de batata – tradicional Kartofle Khichelcher. Nascida e criada na localidade de Alto Padre Eterno, ela prepara a receita como quem conhece cada gesto de cor, um ritual aprendido ainda menina com sua mãe, dona Guilhermina.
“Faz setenta anos que eu faço bolinho. Aprendi com a minha mãe”, conta dona Merceda, enquanto rala lentamente as batatas com um ralador antigo, feito de lata.
A receita, simples na aparência, é carregada de significado. Primeiro, ela descasca as batatas. Depois, rala uma a uma. “Coloco um ovo, um pouco de sal para dar gosto bom, farinha branca pra ficar bonito, e se quiser, pode botar salsinha também. Aí é só fritar na banha de porco, que é o que dá o sabor verdadeiro. No óleo até dá, mas não é a mesma coisa”, explica com orgulho.
Com o ralador de lata herdado da família, dona Merceda repete gestos que aprendeu ainda menina.
Em sua cozinha modesta, onde cada utensílio tem história, o cheiro do Kartofle Khichelcher dourando na banha se mistura às memórias que preenchem o ambiente. “A banha de porco deixa mais saudável também, sabia? E fica um crocante diferente”, afirma.
Para dona Merceda, preparar o bolinho é mais do que cozinhar. É um ato de amor, de permanência. Ela fez bolinho para seus três filhos. O Ademir, já falecido, a Ivanete e a Leonice. Faz até hoje para os netos, o Laerte, a Graciele, o Guilherme… e agora até para a bisneta, a Alice.
Enquanto fala, dona Merceda sorri com os olhos. Em sua fala mansa, transparece a consciência de que o bolinho que ela faz é mais do que comida: é memória viva de um povo, é elo com os antepassados.
Agora é patrimônio
O Kartofle Khichelcher agora também é oficialmente Patrimônio Histórico-Cultural Imaterial de Santa Maria do Herval. A lei que o reconhece, aprovada por unanimidade na Câmara de Vereadores no final do ano passado, é mais do que um documento: é a celebração de uma identidade, moldada pelo trabalho dos pequenos agricultores, pela cultura herdada dos imigrantes alemães e pela persistência de mulheres como Merceda.
Segundo a EMATER, são mais de 200 famílias que produzem batata no município, principalmente entre setembro e fevereiro. Uma produção que não só alimenta, mas estrutura a cultura local.
E é por isso que o reconhecimento do Kartofle Khichelcher como patrimônio imaterial vai muito além da cozinha. É sobre manter viva uma tradição, valorizar o saber passado de mãe para filha, de avó para neta. É sobre dona Merceda, que faz de cada bolinho um gesto de afeto e resistência.