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64 anos de Dois Irmãos: O passado preservado na “curva dos Backes”

10/09/2023 - 04h56min

Nicolau Backes e a memória de seus pais: uma vida simples e de muito trabalho (Fotos: Nicole Pandolfo)

As memórias vívidas e a rotina regrada de Nicolau Backes preservam a história do município de Dois Irmãos

Por Nicole Pandolfo

Nicolau Backes me recebeu na varanda de casa, por volta das 10 horas de uma manhã quente e ensolarada de agosto. As galochas e o chapéu de trabalho acusavam que eu havia chegado numa hora não muito oportuna: ele estava saindo para lavar roupa e cortar o pasto.

Já aviso, logo de início, que não irei me referir a ele com nenhum tratamento formal. O próprio deixou claro nos primeiros minutos de conversa, com muito humor: “Por acaso eu sou seu? Então nada de `seu` Nicolau!”

A princípio, Nicolau relutou em me receber naquele horário específico, dificuldade natural de quem está acostumado com a segurança da rotina. Mas não precisou de muitos argumentos para que mudasse de ideia e me convidasse a entrar na sua casa para um bate-papo. Aliás, casa esta onde vive sozinho e mantém impecavelmente limpa e organizada. Puxou uma cadeira pequena, sentou e, em meio a frases curtas, maneios de cabeça e um sorriso constante que insistia em tentar esconder com as mãos, dava a entender que não teria muito o que me contar.

Mas ele tem.

Nicolau Backes na cozinha da casa onde nasceu e vive até hoje (Fotos: Nicole Pandolfo)

Disposição não falta para as tarefas diárias como cortar o pasto

O SEGREDO DA BOA FORMA

Nicolau viu de cima da carreta puxada por mulas os extensos campos de lavoura se transformarem no que hoje é Dois Irmãos. Na adolescência e na vida adulta, era com este meio de transporte que ele levava a mercadoria produzida nas terras da família até os mercados da região, que depois transportariam estes mesmos produtos para a capital do estado.

Com uma lucidez admirável aos seus 81 anos, Nicolau também exibe uma agilidade física impressionante para a idade. Insisto em revirar as suas memórias mais antigas a procura de, quem sabe, a fórmula mágica da vitalidade. Acredito que boa parte do segredo esteja na seguinte receita que ele compartilhou quando perguntei por uma lembrança carinhosa que ele carrega dos tempos antigos:

Uma batata doce colhida na roça e lavada… Tirava o pão do forno, a mãe colocava a batata e deixava até o outro dia. Elas ficavam escuras que nem café. A gente cortava elas pelo meio, passava primeiro naquela metade uma parte de schmier doce, tirava uma ‘farta’ assim e comia. E depois passava outra schmier de novo… às vezes dava umas três passadas numa meia!”

COSTUMES DO CAMPO ÀS MARGENS DA CIDADE

Nicolau (caçula) e os irmãos – 12 criados e 2 falecidos – cresceram no terreno que hoje, em grande parte, ainda pertence à família Backes. De lá tiravam o sustento com a criação de porcos, produção de leite, plantação de milho dentre outros bens que, além de alimentar a família, abasteciam os mercados. E, por incrível que pareça, ainda hoje muita coisa permanece como antigamente na propriedade dos Backes. A carreta antiga estacionada no galpão está de prontidão para uso. Nicolau garante que é praticamente igual a que ele usava na juventude, “só não tinha os pneus de borracha”.

A carreta de tração animal é utilizada ainda hoje

Mais adiante estão as duas mulas, outra tradição que perdura. Enquanto chama a atenção dos animais com milho, Nicolau explica que elas ainda fazem o arado do campo onde ele planta aveia e azevém, cultivos que servirão de alimento para os animais que já não são muitos como antigamente, mas o suficiente para consumo dele e da família do irmão que mora a poucos metros da sua casa.

Ao final de um passeio pela propriedade, arrisco mais alguns palpites do que seja responsável pela longevidade do Nicolau. A vida simples no campo? Ou seria o chimarrão que toma todos os dias com o irmão e a cunhada antes do almoço?

Certo é que Nicolau mantém preservada, além da boa forma, a história de inúmeros cidadãos que ajudaram a construir a nossa cidade à base de “muito trabalho e suor”, como nas suas próprias palavras.

O trato com os animais faz parte da rotina

ACOMPANHADO POR TODOS

Nosso companheiro de histórias não casou e não tem filhos. Mas qualquer relação que isso poderia ter com sinais de solidão não é verdadeira: “Nunca vivi triste, tô sempre contente. Porque não adianta, a tristeza vem por si.” Num cômodo central da casa, a mesa de jantar é rodeada por retratos de irmãos – a maioria já falecidos – e sobrinhos, de quem ele fala com muito carinho. Os santos e imagens de Jesus Cristo preenchem espaços por onde se direciona o olhar, mas o retrato restaurado do senhor Nicolau e senhora Olga Backes, pais do nosso anfitrião, é o que mais se destaca no ponto mais alto da parede, estes sim, a guardar todos da família que ilustram o ambiente.

O tradicional chimarrão antes do almoço

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