Região
CRISE NA PIÁ: “Se entrar em recuperação judicial, o associado infelizmente vai ter que ajudar a pagar a conta”
Vice-presidente Ari esteve na Câmara de Herval para falar da situação
Por Cleiton Zimer
S. M. do Herval / Morro Reuter / Nova Petrópolis – Diante do cenário de fechamento das unidades da Piá em Santa Maria do Herval e Morro Reuter, a Câmara de Vereadores de Herval convocou Ari Arsênio Boelter – atual vice-presidente da Cooperativa [que assumiu após renúncia da direção anterior] –, para deixar a comunidade e associados a par da situação extrema.
Ele falou sobre os possíveis motivos que levaram uma história de 57 anos a descambar, do que está sendo feito para “dar a volta por cima”, dos próximos passos que envolvem a venda do prédio do Teewald, e, inclusive, dos riscos dos associados terem que ajudar a pagar a conta se acontecer de cair em recuperação judicial.
Ari é agricultor, presidente do Sindicato Rural de Nova Petrópolis e Picada Café e, desde 19 de junho, assumiu a missão de reorganizar a Cooperativa junto de uma nova equipe. Ele lembrou que a trajetória de quase seis décadas da Piá é de sucesso, tendo gerado desenvolvimento para a região, com empregos e possibilitando inovações no meio rural. “Uma história fantástica que começou com toda a estrutura vindo da Alemanha, com agricultores assinando notas promissórias e esperando cinco anos até que efetivamente o projeto saísse do papel.”
Disse que vinha num crescimento acentuado até 2011, com abertura de diversas filiais por toda a região. “A Cooperativa tinha, para cada real emprestado, dois reais no mínimo de reserva. Os bancos faziam fila para querer empresar dinheiro para a Piá. E a Piá dizia não, não precisamos do dinheiro de vocês. Hoje é o contrário. É a gente que está se ajoelhando para conseguir dinheiro, e vamos conseguir.”
MAS O QUE ACONTECEU EM 2011
Ari diz que a partir de 2011 mudou o formato da gestão. “Não precisamos falar das pessoas. Se daqui a pouco era para trocar pessoas, que se fizesse, mas não se pode dentro de uma cooperativa mudar a gestão. Não cabe o presidente um dia ir lá pedir voto para o agricultor, e no outro dia ir lá negociar o preço do leite.”
O vice-presidente relatou que teve casos em que produtores, com a mesma litragem e qualidade do leite, recebiam uma diferença de R$ 0,30 a 0,70 centavos a mais. “Pago por fora, sem receber a nota. Por que? Dentro de uma cooperativa isso não é viável, não é possível, não é admissível.”
Ari ressalta que este é um dos fatores que está sendo investigado a partir de uma auditoria dentro da Cooperativa. Inclusive já teria queixas-crime na Delegacia de Polícia de algumas situações.
“A maior dívida da Cooperativa, hoje, é com o associado”
Ari conta que, em 2017, foi aprovado que R$ 48 milhões de prejuízo fossem repassados para a conta capital do associado. “Por que? Porque todos os fundos que a Cooperativa tinha, de reserva – que são justamente para cobrir gastos quando a gente não tem – foram usados. Não se sabe exatamente aonde, mas não tinha mais reserva.”
Afirma que foi dito para o associado que no momento em que a Cooperativa voltasse a ter resultado o associado receberia este valor de volta. “Hoje essa conta representa R$ 135 milhões. No final do ano vai ser maior. Infelizmente o ano de 2023 vai fechar em vermelho de novo”, antecipa.
Revelou, ainda, que somente no ano de 2022 foram contabilizados cerca de R$ 70 milhões em perdas.
“A gente era tido simplesmente como meia dúzia que estava falando bobagem”
Ari diz que já vinha alertando para essa situação há muito tempo. “A gente era tido simplesmente como meia dúzia que estava falando bobagem, que o que estava sendo dito não era verdade, que nós eramos apenas oposição. Não, não eramos apenas oposição, eu participei do conselho também, e saí porque não concordei com o andar da carruagem.”
Contabilizou que nos últimos sete anos foram contratados oito administradores. “Será que os oito, todos eram ruins?”
Para ele, se a diretoria que estava “tivesse tido a hombridade”, de há três anos assumido a situação problemática, a Piá não estaria nesta crise.
“Eles renunciaram no dia 19. Por que? Porque realmente o caixa estava rapado, e porque tinha uma expetativa de uma financeira injetar um valor dentro da Cooperativa”, afirmou, dizendo que essa financeira foi até a Piá, mas, não investiu a quantia. “Se não, de repente, a diretoria que estava lá estaria ainda.”
Prédio da Piá de Herval já está sendo negociado para venda
Diversas unidades da Piá já foram fechadas, assim como aconteceu em Herval e Morro Reuter. “Como não temos recursos, e a diretoria anterior assinou um contrato com uma instituição financeira onde todos os recebíveis vão para a instituição, significa se alguém for hoje comprar com cartão no mercado da Piá, este dinheiro fica retido no banco, ele não volta para o caixa da Piá.”
Disse que, por isso, muitas das lojas estavam vazias, dando prejuízo. “Não é culpa dos funcionários, muito pelo contrário, tralharam e vestiram a camiseta a vida inteira. Mas enquanto a gente não conseguir destravar e não tiver recursos para repor estoque é melhor, infelizmente, evitar mais prejuízos.”
Disse que estão fazendo leilões de veículos, terras, apartamentos para fazer caixa. E, dentre as vendas, está o prédio de Santa Maria do Herval. Já está inclusive sendo negociado. “Precisamos de dinheiro, caixa imediato, então a intenção é neste momento vender.”
Mas, quando se precisa vender algo, o termômetro do mercado é diferente. “Vocês sabem: “wenn die Kuh krank ist, kommen die outsfeil” – quando a vaca está doente, os urubus vêm”, disse, em alemão. Ou seja, vai ser difícil vender o prédio pelo valor que ele realmente vale, pois o mercado imobiliário sabe da necessidade de venda e fará a oferta, em vez da Piá fazer a negociação.
A maior preocupação: o associado vai ter que pagar pelo prejuízo?
Ari disse que estão fazendo possível e impossível, “botando os dedos e os braços, mas vamos ficar com o corpo para não quebrar a Piá”.
Afirmou que estão fazendo todos os esforços para não entrar numa recuperação judicial, como aconteceu com a Languiru. “Se isso acontecer, o associado infelizmente vai ter que ajudar a pagar a conta, porque ele é proprietário. Então, até conclamo os associados para que ajudem a reconstruir a Cooperativa. A Cooperativa é deles, são sócios, proprietários, isso é fato, é real.”
Esperançoso, disse que aceita sugestões. “Vamos conseguir, e lá na frente vamos ter muito orgulho da cooperativa Piá.”
A Piá pode voltar par ao Teewald no futuro?
O vice-presidente diz que, se tiver condições no futuro, a Piá retornará ao Herval. “Se futuramente voltar, a gente aluga um prédio, ou compra outro.”
NOTA DA PIÁ:
Após a publicação da reportagem com a fala do vice-presidente, a Piá emitiu uma nota:
“A Cooperativa Piá esclarece que não há perspectiva de entrada em Recuperação Judicial, pedido de falência ou previsão de fechamento, e informa ainda que o momento atual é de identificar os caminhos para retomada das atividades para geração de caixa e garantia da continuidade do negócio com apoio de uma consultoria externa, além dos associados, da comunidade e dos clientes.“