Região
Heróis da Cavalgada: cavaleiros arriscaram as próprias vidas para salvar animais durante ataque de abelhas em Ivoti
Por Geison Concencia
Quando Fernando Plácido, de 48 anos, morador de São Leopoldo, saiu de casa para participar da 12ª Cavalgada da Amizade, não imaginava que, após o encerramento do evento, viveria um dos momentos mais desafiadores de sua vida. No último domingo (27), ele arriscou a própria vida para salvar cavalos atacados por um enxame — e o fez movido apenas pelo instinto e pelo amor aos animais.
A cavalgada, que reúne mais de cem participantes e percorre a região valorizando a cultura gaúcha, já havia sido concluída. Após o trajeto, os cavalarianos desceram de seus cavalos, amarraram os animais em uma área de mata próxima ao piquete localizado no Núcleo de Casas Enxaimel — a menos de cem metros da passarela de ferro, um dos cartões-postais da cidade. Ali, os participantes almoçavam e confraternizavam.
Por volta das 13h, um enxame, alojado em um coqueiro camuflado pela vegetação densa, se dispersou e atacou os cavalos que estavam no local. Desesperados, os donos tentaram agir rapidamente para salvar os animais amarrados.
“Saí correndo sem pensar no perigo”
Plácido correu para ajudar. “Naquele momento, não me importei com o perigo ou com o que poderia acontecer. Saí correndo para soltar os animais que estavam embaixo da árvore com as abelhas. Quando cheguei, vi um amigo, o seu Marino, caído debaixo de um cavalo que pisoteava ele. Foi desesperador”, relata.
Durante o resgate, Plácido foi derrubado por um cavalo que se enroscou na corda ao ser solto. “Tentei cortar a corda, mas ele me derrubou e começou a me pisotear. Eu não enxergava nada, era muita abelha. O cavalo pulava sobre mim. Só consegui libertá-lo quando cortei o galho da árvore onde ele estava amarrado”, conta.
Mesmo ferido e com a visão comprometida pelo enxame, ele seguiu resgatando outros animais. “Os demais não ofereceram tanta resistência e consegui tirá-los dali. Depois, saí correndo, cheio de ferroadas”, lembra.
Hospitalizado com ferimentos graves
Fernando foi socorrido por outros cavalarianos e levado ao Hospital São José. Chegou inconsciente, com um corte no rosto provocado por faca durante o resgate, e em estado de convulsão. “O pessoal do hospital disse que renasci”, afirma. As ferroadas no rosto eram tantas que alguns amigos não o reconheceram de imediato.
Mesmo após o susto, ele diz que faria tudo de novo. “Amo meus animais. Foi muito triste vê-los sofrendo. Não me arrependo. Só me preocupava com quem tinha ficado lá. Foi terrível.”
Para Marino Guides da Costa, de 65 anos, morador de Estância Velha, o ímpeto de salvar os animais foi a mesma. Ele entrou com o Plácido na mata, onde o enxame atacava, para salvar os cavalos. “Naquele momento, senti que precisava ajudar os animais. Para mim, são como seres humanos. Se acontecesse mais uma vez, faria novamente”, comenta.
Tragédia abala, mas fortalece grupo
A Cavalgada da Amizade já se tornou uma tradição regional. O evento reúne dezenas de cavalarianos que percorrem estradas da Encosta da Serra levando consigo a cultura gaúcha e o espírito da amizade — valor que nomeia e define o grupo. Mas o que seria uma celebração se transformou em preocupação e luto depois do ataque. Além dos feridos, um cavalo não resistiu às ferroadas e morreu.
Apesar do dia trágico, o grupo se mostrou unido. Para Soimar Leonhardt, um dos organizadores, o episódio vai fortalecer ainda mais o evento. “Eu não tenho dúvida que esse fato vai transformar a Cavalgada num evento ainda maior e cada vez mais forte, porque o povo gaúcho tem isso por essência. Na dificuldade, ele se une e se fortalece ainda”, afirma.
Ele compara a união vista no domingo com a solidariedade mostrada durante as enchentes no Estado. “Lá não havia divisão. Todo mundo ajudava quem podia. E no domingo foi igual. Não importava de quem era o cavalo. Quem tinha experiência, quem tinha uma faca para cortar corda, todos ajudaram.”
Leonhardt destaca que, apesar da tristeza, o saldo poderia ter sido pior não fosse a coragem e união dos participantes. “A ajuda de todos contribuiu para que o prejuízo fosse o menor possível. Essa união vai fazer a Cavalgada da Amizade crescer ainda mais.”