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Região

O enfrentamento às raízes da violência contra a mulher em Dois Irmãos

11/08/2023 - 11h38min

Atualizada em 11/08/2023 - 11h39min

Delegado Felipe Borba falou à comunidade abrindo a programação do Agosto Lilás (FOTO: Divulgação / Câmara de Vereadores Dois Irmãos)

“Se estima que muito menos de 10% procuram algum tipo de auxílio”

Por Cleiton Zimer

Dois Irmãos – Na noite de segunda-feira (7), abrindo a programação do Agosto Lilás na Câmara de Vereadores, o delegado titular da Delegacia de Dois Irmãos, Felipe Borba, abordou o fenômeno da violência de gênero e a relevância das políticas públicas de enfrentamento.

Citou que existem diversos obstáculos e, o primeiro, é o jurídico. Citou a Lei Maria da Penha – “fruto de uma luta que causou constrangimento para o Brasil no âmbito internacional”, disse, lembrando que o caso não teve o respaldo adequado no Brasil, tendo que ser levado para instâncias internacionais. “E lá se percebeu que efetivamente o País como um todo não estava minimamente engajado, preparado por suas instituições para lidar com este tipo de situação.” Hoje, a Lei é uma das melhores do mundo neste sentido.

Mencionou o obstáculo cultural, dizendo que não é incomum na Delegacia se depararem com sujeitos que consideram normal a prática da violência contra a mulher “porquê isso aconteceu em relação a postura de seu pai, avô e, assim, de maneira quase que eternizada. E muitas vezes este procedimento acaba se repetindo no âmbito familiar”.

QUESTÃO FINANCEIRA

A mulher muitas vezes é dependente economicamente do companheiro e isso faz com que ela não procure auxilio porque ela não enxerga uma alternativa de vida desta cogitada separação.” Borba frisou que é necessário pensar em politicas que gerem uma mínima confiança para que a mulher se sinta capaz de levar sua vida adiante, de maneira desconectada economicamente do agressor.

Tratamento diferenciado?

Borba disse que ainda há uma retórica na sociedade se opondo a Lei Maria da Penha, como se não fizesse sentido um tratamento diferenciado para as mulheres. Para isso mencionou uma obra de Lopes em que ressalta: “A maior parte dos pobres do mundo são mulheres; a maior parte dos analfabetos são mulheres; a maior parte dos crimes sexuais são praticados contra mulheres. As mulheres e jovens são a maior parte das pessoas traficadas e exploradas sexualmente. Quem mais sofre as consequências da falta de assistência e de cuidado na saúde sexual a reprodutiva são as mulheres e as adolescentes. E, por fim, a maior parte dos refugiados e deslocados em situação de guerra e conflitos armados, externos e internos, são as mulheres e suas crianças.”

ALCOOLISMO

O delegado ressalta que o fenômeno de violência doméstica e familiar contra mulher é complexo, com diversas causas e fatores. E, para que haja um combate adequado é necessário enfrentar todas as circunstâncias ao redor disso.

O alcoolismo e a drogadição são citados como um agravante. “É muito comum os relatos das mulheres dizendo que o companheiro tem uma postura adequada, mas que em razão da ingestão de bebida alcoólica em excesso e de drogas ilícitas, costuma descambar seu comportamento para atitudes violentas.”

EMOCIONAL E PSÍQUICO

Comumentemente os policiais também lidam com homens que não conseguem lidar com o fim de um relacionamento. “A partir do momento em que a mulher demonstra interesse em cessar a relação, é muito comum o homem não lidar de maneira adequada, com mínima seriedade, e acaba encontrando como alternativa o comportamento violento e isso vai parar, então, na Delegacia.”

Borba explica que para isso, em parceria com o Município e Judiciário, foram cridos os grupos reflexivos onde os homens recebem uma medida de afastamento da vítima e, também, uma ordem judicial de comparecer nestes encontros. “Para tentar estimular que aquele indivíduo modifique seu padrão de comportamento. Acreditamos que com uma mínima reflexão efetiva, ninguém vai justificar seu comportamento agressivo.”

O delegado trouxe um dado alarmante, dizendo que cerca de 30% dos homens que praticam o feminicídio, logo em seguida, se suicidam. “Então isso demonstra que não basta nos olharmos para a vítima e esquecer do agressor. Não que ele não mereça uma resposta punitiva, até para que desestimule outras pessoas que estejam cogitando praticar atos semelhantes, mas realmente na maioria das vezes demonstra ser um sujeito que precisava de algum tipo de acompanhamento psicológico, psiquiátrico.”

A CIFRA OCULTA

Se estima que muito menos de 10% das mulheres que sofrem violência procuram algum tipo de auxílio.” Portanto diz que é necessário estimular a comunicação aos órgãos policiais, até mesmo vizinhos, familiares devem fazer as denúncias, podendo ser de forma anônima.

Neste primeiro semestre o Rio Grande do Sul teve 40 mulheres mortas no contexto do feminicídio, diante de outras 127 tentativas. Dois Irmãos, em sua história recente, não contabiliza nenhuma morte neste sentido, mas teve tentativas.

Quando a gente pensa na vítima nós temos que lembrar que muitas destas mulheres são mães. Então essas 40 mulheres mortas deixaram mais de 70 filhos sem a mãe.”

Dessas mais de 60% não tinham nenhuma ocorrência registrada contra o agressor. 80% não tinham medidas protetivas em vigor. 70% aconteceram dentro de casa. “O que comprova que é muito difícil nós agirmos de maneira preventiva, se não tivermos conhecimento do que acontece naquele lar.

EM DOIS IRMÃOS

Borba diz que, por ano, a DP registra cerca de 200 ocorrências na cidade. 20 por mês. Anualmente encaminham 150 medidas protetivas.

Enfatizou a atuação do Judiciário de Ministério Público da cidade. “Como delegado de polícia eu digo, temos hoje a Lei Maria da Penha que é uma das melhores do planeta, e temos aqui em Dois Irmãos uma dinâmica de trabalho de enfrentamento a este fenômeno merecedora de aplausos.”

O delegado acredita que, um dia, a violência contra as mulheres será apenas uma curiosidade nos livros de história. “E cabe a todos nós, não só quem detêm um cargo público, mas toda a sociedade, contribuir para que isso aconteça o mais rápido possível. Considero que já estamos no meio do caminho nesta busca por alterações de padrões de comportamento do tipo violento. Então não podemos desistir agora que já estamos no meio do caminho.”

PRÓXIMAS ATIVIDADES

15/08 – 14 horas, Roda de Conversa com Maristela Malheiro Kohlrausch – Trabalhabilidade: O que é e como aplicar. No Instituto Olívia Fischer.

28/08 – 14h30, Bate Papo com a Soldado Andressa Bernardes sobre Violência Domestica no Clube União.

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