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“Podemos ter vacina para a população ainda em dezembro”, diz líder do estudo da CoronaVac
Porto Alegre – Chefe do estudo da CoronaVac no Hospital São Lucas, em Porto Alegre, o infectologista Fabiano Ramos concedeu entrevista exclusiva ao Diário sobre o desafio de liderar um dos mais importantes projetos da história recente, e da qual o mundo inteiro aguarda um resultado promissor.
Ele contou detalhes sobre a condução dos trabalhos e garantiu que não há riscos para este imunizante, já que é feito em parceria com o Instituto Butantan, que tem mais de 100 anos de tradição em imunizações do tipo.
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Diário – Quais são os resultados esperados para esta fase de testes?
Fabiano Ramos – Os resultados das fases iniciais foram muito promissores. Esta é uma vacina parecida com aquela para influenza, a gripe, com baixíssimos efeitos adversos, identificados nestas fases iniciais do estudo, e com proteção bastante elevada. Ela necessita duas doses, e depois da segunda dose, mais de 90% das pessoas apresentavam anticorpos protetores. A ideia é que estes dados possam ser inicialmente avaliados no início de dezembro, e que possamos ter vacina para a população ainda em dezembro. A Sinovac produzirá 60 milhões de doses mesmo com o estudo em andamento, e se houver uma liberação da Anvisa e demais órgãos reguladores, a vacina pode chegar ainda neste ano para a população.
Diário – Como o Hospital São Lucas se tornou uma das referências para o estudo da CoronaVac?
Fabiano Ramos – Basicamente porque já temos alguma experiência também junto ao Instituto Butantan para estudos de vacina, especialmente contra a dengue. Como agora é um estudo com uma necessidade de uma rapidez, inclusão de voluntários, uma logística bastante complexa para ser feita em dois meses, o Butantan precisava de centros que já tivessem alguma expertise em vacinas.
Diário – Como o senhor vê a grande adesão destes profissionais interessados na vacina?
Fabiano Ramos – Toda a sociedade está mobilizada na busca de uma solução para a pandemia, e os profissionais da saúde estão mais envolvidos. É o público que mais atende as pessoas doentes, também são os que mais se expõem à doença. Temos mais de 5.500 inscritos para 852 vagas até o momento, porém nem todos ainda estão selecionados. Chamamos diariamente e semanalmente, porque muitos destes que estão inscritos, provavelmente ao longo das semanas, podem ser infectados com o vírus, e aí não podem participar do estudo. Selecionamos os profissionais por atuação, proximidade de Porto Alegre e número de inscrição.
“Participar disto com uma pesquisa que traz esperança para a população é muito importante para nós”
Diário – Comente um pouco sobre o método de realização do estudo.
Fabiano Ramos – O estudo é duplo-cego, randomizado, que chamamos. Envolve uma parcela da população que vai receber a vacina e outra que vai receber placebo, que é uma substância que não tem a forma ativa da imunização. O objetivo é podermos comparar os resultados com a forma ativa da vacina, e a gente vê se ela realmente vai proteger as pessoas que a utilizarem, e vai ter menos efeitos colaterais, ou não vai ter tantos efeitos com sua aplicação.
Diário – Qual a diferença desta vacina da Sinovac por outras também testadas pelo mundo, como a de Oxford e, mais recentemente, a da Rússia?
Fabiano Ramos – Na verdade é o método de produção. Falando especificamente da de Oxford, ela tem, na sua composição, uma parte da molécula que é ativa na vacina, feita de outro vírus, o adenovírus, assim como outras. A do Instituto Butantan e da Sinovac, é uma vacina do próprio vírus Sars-CoV-2 inativado. Em relação à vacina russa, não sabemos ainda, porque não têm publicações a respeito, então não sabemos nem em que fase está. Ficamos, como vocês também, surpresos com o registro de uma vacina que não se tem identificação ainda na literatura, como foram feitos estes testes. Teremos de esperar para ver como isto vai se desenrolar nos próximos dias e semanas.
“Ficamos realmente muito tranquilos no que pensar em relação a uma vacina que seja segura e que venha para proteger a população”
Diário – Como o senhor vê a responsabilidade de conduzir este estudo, considerando a expectativa da sociedade e a proporção da pandemia?
Fabiano Ramos – A responsabilidade é muito grande, mas ao mesmo tempo, tudo o que tem acontecido nos motiva em torno deste grande desafio. E pelo momento histórico, ninguém vivenciou isto ou algo parecido até então, e participar disto com uma pesquisa que traz bastante esperança para a população é muito importante para nós. O hospital não mediu esforços para poder participar dela junto com o Butantan. Sempre agradecemos muito a direção do hospital, por ter encarado este desafio junto, hoje é um desafio de todos, não apenas do grupo de pesquisa. Manter distanciamento e não esquecer que estamos no meio de uma pandemia mostram que este estudo é bastante complexo. Mas acho que temos todas as condições de cumprir.
Diário – Parte da população teme a eficácia da vacina, por ela ter sido feita na China, onde o vírus também surgiu. Há risco?
Fabiano Ramos – Sempre comento que temos estudos iniciais que mostraram muito bons resultados, e por trás dele está o Butantan, que é um instituto com mais de 100 anos de história, com ampla experiência no desenvolvimento de vacinas. Com certeza eles tiveram a oportunidade de avaliar não apenas este, mas inúmeros imunizantes ou possibilidades de vacina para trazer para o Brasil, e dentro destas possibilidades foi destacada esta produzida pela Sinovac. Tendo esta chancela do Instituto Butantan, ficamos realmente muito tranquilos no que pensar em relação a uma vacina que seja segura e venha para proteger a população.